

O caso de um soldado e um sargento da Polícia Militar investigados sob a acusação de terem matado e enterrado um rapaz no Município de Mucajaí, a Centro-Sul do Estado, traz algumas situações que mostram uma realidade preocupante em Roraima. O detalhe a ser considerado é que, em 2021, o soldado já havia matado outro jovem, desta vez no Município de Alto Alegre, a Oeste do Estado, que invadiu o quartel da PM, caso este em que ele foi absolvido pela Justiça.
Em Mucajaí, a vítima era um jovem considerado perigoso que estaria envolvido em vários casos de violência naquela localidade, o que explica o fato de não ter havido ampla repercussão do caso nem indignação da opinião pública. Isso leva a um típico caso de “justiça com as próprias mãos” que, diante do quadro de desesperança e revolta da sociedade, passa a ser tolerado.
No entanto, tal crime não pode ser visto apenas como um ato de vingança pessoal, em que cidadãos decidem agir fora da lei para punir alguém considerado criminoso ou malfeitor. Trata-se de dois agentes do Estado revestidos de poder para defender a sociedade dentro da legislação e das prerrogativas que suas profissões exigem.
Fazer justiça com as próprias mãos já é um forte indicativo de que a sociedade está insatisfeita com a ausência e/ou omissão do Estado e a atuação da Justiça. Desacreditadas nos poderes constituídos, as pessoas passam a agir fora da lei, situação que passou a ser comum em Boa Vista assim que começou a migração em massa de imigrantes venezuelanos.
No entanto, há uma grande questão que não pode ser ignorada. Quando há um sentimento generalizado de insatisfação no seio da sociedade, não é apenas o cidadão comum que passa agir com arbitrariedade, mas também os agentes do Estado, o que envolve uma situação extremamente perigosa, pois as instituições passam a ser corrompidas.
A questão dos policiais militares é exemplar. São pelo menos 100 policiais sob investigação, incluindo formação de grupo de extermínio que simulava confronto para eliminar suas vítimas e milícia armada com atuação no garimpo ilegal. Sem contar com envolvimento em crimes comuns e até a venda ilegal de armas e munições.
Mas não somente isso. Já existem investigações da Polícia Federal apontando para envolvimento de políticos com o narcotráfico, inclusive com indicação de comercialização de drogas dentro do gabinete. Fora os seguidos escândalos de corrupção que pipocaram nos últimos meses, mostrando uma realidade de muita preocupação em um Estado onde o crime organizado mostra sua força.
A grande questão é que a movimentação dos fatos revela a contaminação de setores importantes da sociedade em que a justiça com as próprias mãos e a institucionalização do crime dentro das polícias podem até eliminar o que determinado grupo considera um perigo para a coletividade, no entanto, incentiva a formação de mais crimes e o fortalecimento de grupos fora da lei, como milícias, o que certamente irá gerar mais problemas gravíssimos e de difícil solução.
Os poderes constituídos precisam estar atentos a este perigoso movimento que está em curso em Roraima. Isso não pode ser normalizado. Os bandidos de facções venezuelanas já mostraram do que são capazes quando sentiram a ausência do Estado ao desafiarem a todos com um cemitério clandestino a poucos metros da Sede da Superintendência da Polícia Federal…
*Colunista
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