Por Mayara Mendes e Maria Eduarda Barros
Agência de Notícias CEUB
A morte do presidente eleito Tancredo de Almeida Neves emocionou o Brasil em 21 de abril de 1985, há 40 anos, vítima de diverticulite. Ele, que tinha 75 anos de idade, não pôde assumir a presidência, em 15 de março daquele ano, porque estava internado.
No lugar dele, José Sarney, vice na chapa e também eleito de forma indireta, cumpriu todo o mandato (até 1990).
Tancredo foi um dos principais nomes do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), partido que fazia oposição à ditadura militar.
Professor de história do Brasil, Iomar Pirangi destaca que Tancredo Neves tinha habilidade política demonstrada em momentos marcantes da história nacional: a Revolução de 1930 e a Revolução Constitucionalista de 1932.
“Ele tinha habilidade de formar alianças, de juntar opostos — que é a verdadeira arte da política.”
Segundo o professor, há quem diga que os mineiros têm um jeito próprio de fazer política — mais discreto, estratégico e cuidadoso nas articulações.
“Tancredo Neves tem esse histórico político forte. Sempre dizem que os políticos mineiros são aqueles que “fazem as coisas sem fazer barulho”. Existe esse estereótipo — não é exatamente um rótulo —, mas uma forma de reconhecer esse jeito mineiro de fazer política: agir nos bastidores, com discrição, mas de forma eficaz.”
Consenso
O professor de História destacou que o Brasil já enfrentou diversos períodos de polarização — e é justamente nesses momentos que a política mostra sua real força, ao buscar pontes entre os opostos.
“No nosso país, historicamente, enfrentamos momentos de muita polarização, e é justamente aí que os políticos de verdade tentam unir as pontas, mesmo que momentaneamente, antes de se afastarem novamente. Esse é o vai-e-vem da política no mundo todo — e no Brasil, não seria diferente”
Segundo ele, Tancredo Neves soube ocupar esse papel com habilidade, ganhando espaço e relevância no cenário nacional desde os tempos do governo de Jânio Quadros.
Parlamentarista
“O Tancredo já aparece como figura relevante desde a época do governo de Jânio Quadros. É quando ele lidera um momento singular na história do Brasil: o parlamentarismo. Naquela crise política, ele surge como um nome de consenso. Era um momento em que o Brasil vivia uma espécie de presidencialismo parlamentarista, e Tancredo era o elemento aglutinador, mesmo ainda jovem.”
Ao mesmo tempo em que fazia oposição ao regime militar, o professor destacou o perfil cauteloso do político:“Tancredo era comedido e equilibrado, pois sabia que o país precisava de uma transição gradual para a democracia”
1985
A campanha de Tancredo foi marcada por discursos diretos e voltados ao povo. O político adotou uma linguagem diferenciada, o que trazia identificação com a população.
“Ele tinha um discurso muito representativo. Falava em combater a corrupção, as mordomias, queria a volta da legalidade, defendia os mais necessitados. Era uma linguagem muito social-democrata, mas sem cair no populismo. Isso é importante: mesmo falando ao povo, ele não soava como populista” disse Iomar
Tancredo era visto como uma figura política experiente e conciliadora, Já o então vice José Sarney havia sido presidente da Arena, partido que sustentava a ditadura, mas rompeu com os militares e se aliou à oposição, o que acabou representando um gesto de união entre os conservadores e democráticos.
A chapa foi lançada pela Aliança Democrática, coligação entre o PMDB e dissidentes do PDS, partido governista, que formaram o PFL.
Vitória
Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo e Sarney venceram no Colégio Eleitoral, derrotando Paulo Maluf, o candidato oficial do regime militar, por 480 votos contra 180.
Segundo o professor, o cenário político na época não era de grande polarização, uma vez que o adversário, Paulo Maluf, enfrentava outras prioridades e não representava uma ameaça real à candidatura de Tancredo.
“Seu principal concorrente era Paulo Maluf, um empresário que aprendeu a fazer política, mas que não era político nato. Maluf se preocupava mais com o aspecto econômico, com o mundo empresarial. Já Tancredo enxergava mais longe — via o momento histórico, o papel que ele poderia ter, e como ajudar o país a retomar a democracia.”
Iomar relembrou também que, na época, pouco se discutia sobre o fato de José Sarney ser o vice. Toda a atenção e esperança do povo estavam voltadas para Tancredo Neves, visto como símbolo de mudança e renovação para o país.
“Na época, ninguém deu muita atenção ao fato de Sarney ser o vice. O foco era o Tancredo. O problema é que Sarney vinha de um partido que apoiava o regime militar. Então, quando Tancredo morreu, o poder caiu nas mãos de alguém que era da base dos militares. Para os conservadores, isso era ótimo. Mas o povo ficou frustrado. Porque o Tancredo representava esperança, mudança, uma nova era.”
Controvérsias
Antes da posse, Tancredo Neves adoeceu, em 14 de março, e não chegou a assumir oficialmente o cargo. Na época, foi divulgado que Tancredo tinha uma “diverticulite”, uma inflamação no intestino grosso.
Mas depois surgiram suspeitas de que o real problema seria mais grave: um câncer ou até uma infecção generalizada mal tratada. A equipe médica demorou a esclarecer o que de fato ele tinha, e isso alimentou muitas dúvidas.
Risco
Como o Brasil estava em processo de redemocratização, havia um forte interesse em evitar qualquer instabilidade.
Muitos acreditam que parte da verdade sobre o estado de saúde de Tancredo Neves foi ocultada justamente para prevenir um possível caos político.
Ele era visto como uma figura de conciliação nacional, e a revelação de que estava gravemente doente poderia ter causado um impacto negativo no delicado processo de transição democrática.
O político morreu pouco mais de um mês depois. Embora oficialmente a morte tenha sido declarada em 21 de abril de 1985, há relatos de que Tancredo teria falecido dias antes, e que a notícia teria sido retardada intencionalmente para evitar um colapso político.
Isso porque a posse estava prevista para 15 de março, e o país ainda vivia um clima de tensão entre setores civis e militares, especialmente com a presença dos chamados “militares da linha dura”.
Iomar comentou que, dentro do Exército, havia duas correntes: os militares da chamada “linha dura”, que não queriam devolver o poder, e outros que já estavam exaustos e desejavam encerrar aquele ciclo.
“Tancredo é eleito — e, de repente, fica doente. Pronto. Começam os boatos: foi golpe? Foi envenenado? Inventaram a doença?”, relembra ele. Foi nesse clima de incerteza que surgiram os primeiros rumores.
A ideia por trás da suposta manipulação da data seria garantir que a transição para José Sarney ocorresse com o mínimo de atrito possível, consolidando a volta à democracia e evitando dar margem para qualquer ação militar reacionária.
Além disso, manter a imagem de Tancredo como símbolo da conciliação nacional, mesmo ausente, foi visto por muitos como crucial para acalmar o país naquele momento delicado.
Outra hipótese que surgiu na época seria vincular oficialmente sua morte ao dia 21 de abril, feriado de Tiradentes, teria sido uma escolha estratégica para reforçar o caráter heroico e sacrificial de Tancredo, associando-o a um dos maiores mártires da história brasileira, que por coincidência, também era mineiro.
” É como o golpe de 64, que aconteceu em 1º de abril, mas foi registrado como 31 de março para evitar a associação com o “dia da mentira”, disse o professor
O clique
Na época em que Tancredo já estava internado no Hospital de Base, se iniciaram os burburinhos sobre a piora do seu quadro de saúde. No intuito de tranquilizar a população começou a circular uma foto do presidente eleito ao lado de seus médicos.
Com a tal foto na mídia, muitas pessoas começaram a duvidar se Tancredo estava realmente vivo ou se era o seu cadáver maquiado como se faziam no século 19 com as fotografias post-mortem.
A foto, tirada no dia 25 de março de 1985, mostra o presidente eleito abatido e enfermo no centro e seus médicos sorrindo amigavelmente ao redor.
O professor Iomar informou que a imagem foi retirada da imprensa pouco tempo depois pela quantidade de rumores que pairavam na sociedade.
“Inclusive, teve uma foto famosa, de Tancredo supostamente ao lado de médicos. Dizem que naquela imagem ele já estava morto, maquiado. A foto sumiu depois.”