Como não lembrar do eterno poeta Tom Jobim ao falar de Brasília e da Psicologia? Desde os versos da Sinfonia da Alvorada, já estavam ali presentes os construtos psicológicos:
No princípio era o ermo,
Eram antigas solidões sem mágoa.
O altiplano, o infinito descampado…
Essas palavras, em parceria com Vinicius de Moraes, traduziam não apenas a geografia e o projeto utópico de uma cidade, mas também o estado psíquico de um povo em busca de pertencimento, identidade e futuro. A solidão, os silêncios do cerrado e a travessia do homem comum tornaram-se metáforas vivas para os desafios que a Psicologia enfrentaria ali.
Inaugurada em 1960, Brasília representa um marco na história do Brasil — político, social e simbólico. Como capital federal, tornou-se um polo de desenvolvimento e inovação em diversas áreas, sempre atravessada pela presença crescente da Psicologia.
Dois anos após sua fundação, foi criada a Universidade de Brasília (UnB), um divisor de águas para o ensino superior no país e um pilar fundamental para o desenvolvimento da Psicologia na região. O curso de Psicologia da UnB se consolidou como referência nacional, com pesquisas pioneiras em psicologia social, clínica e educacional — em tempos em que ainda pouco se falava em saúde mental.
Com o passar dos anos, outras instituições de ensino superior surgiram na cidade, ampliando o acesso à formação em Psicologia. Entre elas, destacam-se UNIEURO, CEUB, IESB, CCI, UDF, Faculdade Cerrado, IPD, entre outras. Todas empenhadas em formar profissionais comprometidos com a escuta, o cuidado e o acolhimento — precursores dos atendimentos psicoterapêuticos na nova capital.
Nos primeiros anos, o acesso à psicoterapia era limitado a consultórios particulares e às classes mais privilegiadas. Com a evolução das políticas públicas de saúde mental e a integração da Psicologia ao Sistema Único de Saúde (SUS), Brasília passou a contar com Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e outros serviços comunitários, ampliando o acesso ao cuidado psicológico para populações em situação de vulnerabilidade.
Como capital das decisões políticas do país, Brasília teve — e tem — papel crucial na formulação de políticas públicas voltadas à saúde mental e ao bem-estar social. É aqui também que se localiza o Conselho Federal de Psicologia (CFP), instituído pela Lei 5.766/1971 e regulamentado pelo Decreto 79.822, de 17 de junho de 1977. Cabe ao CFP a missão de orientar, regulamentar e fiscalizar o exercício profissional da Psicologia, promovendo o debate sobre temas relevantes e a qualificação dos serviços prestados à sociedade.
A atuação da Psicologia em Brasília também se fortalece com a presença de movimentos sociais e organizações não governamentais, voltados à Psicologia comunitária, reforçando o compromisso com os direitos humanos e a justiça social.
Como já preconizava a Sinfonia da Alvorada:
Sim, era o Homem,
Era finalmente, e definitivamente, o Homem.
Viera para ficar. Tinha nos olhos
A força de um propósito…
A trajetória da Psicologia em Brasília reflete não apenas o crescimento da profissão, mas sua influência decisiva na formulação de políticas públicas e na promoção da saúde mental. A formação acadêmica sólida, a ampliação dos serviços clínicos e o engajamento político tornam a Psicologia uma área essencial para o enfrentamento dos desafios sociais contemporâneos.
Hoje, com 65 anos de existência, Brasília carrega os traços de uma população diversa e em constante transformação. O crescimento urbano trouxe novos dilemas psíquicos. Vivemos mudanças de regimes, fomos da democracia à ditadura militar, depois à redemocratização. Passamos pela cleptocracia, e agora enfrentamos o que muitos chamam de “ditadura da toga”. São tempos que exigem resistência, cuidado, e, acima de tudo, esperança — essa mesma que motivou a construção da cidade e que ecoa na voz dos que chegam em busca de um novo começo:
Tratava-se agora de construir: e construir um ritmo novo…
A Psicologia também se fez presente na construção desse novo tempo. Dois anos após a inauguração da cidade, foi sancionada a Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962, que regulamentou oficialmente a profissão de psicólogo no Brasil.
E, como disse o presidente Juscelino Kubitschek em outubro de 1956:
“Deste planalto central, desta solidão que em breve se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável, uma confiança sem limites no seu grande destino.”
Tenho essa mesma fé na profissão que jurei defender.
Viva Brasília. Viva a Psicologia.
Até a próxima.