SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O Exército de Israel disse neste domingo (20) que não encontrou indícios de execução no ataque a uma ambulância no mês passado, no qual 15 trabalhadores humanitários foram mortos. O caso ocorreu em uma área próxima de Rafah, no sul da Faixa de Gaza, e motivou protestos da comunidade internacional.
As forças israelenses assumiram a autoria do ataque, mas afirmaram que os soldados não atiraram de forma aleatória e que terroristas do Hamas estavam no grupo. As autoridades ainda negaram que tenha havido qualquer tentativa de acobertar o caso. Tel Aviv, porém, admitiu falhas na ação.
Apesar de os militares descartarem a possibilidade de execução, laudos de autópsia dos corpos de socorristas obtidos pelo jornal The New York Times revelaram, na semana passada, que as mortes ocorreram após disparos na cabeça.
A apuração do Exército israelense apontou “várias falhas profissionais”, devido às quais um comandante será repreendido, e um subcomandante, demitido.
“A investigação revelou uma série de falhas de conduta, desobediência às ordens e a ausência de um relato completo do incidente”, afirma comunicado divulgado pelas forças israelenses.
“O relatório determinou que os tiros disparados nos dois primeiros casos resultaram de um mal-entendido operacional por parte das tropas, que acreditavam estar diante de uma ameaça de forças inimigas. O terceiro incidente envolveu uma violação de ordens durante um combate”, acrescentou.
Os militares disseram que o subcomandante ordenou que as tropas abrissem fogo contra indivíduos que saíam de veículos, posteriormente identificados como um caminhão de bombeiros e ambulâncias.
De acordo com os militares, o subcomandante não conseguiu identificar as ambulâncias “devido à má visibilidade noturna”. Uma hora antes do caso, soldados haviam atirado contra um veículo que acreditavam pertencer ao Hamas.
Os militares afirmaram, sem apresentar provas, que 6 dos 15 socorristas palestinos mortos eram terroristas do Hamas o que Munther Abed, voluntário da Cruz Vermelha sobrevivente do ataque, nega.
Na madrugada do dia 23 de março, os socorristas trabalhavam para atender vítimas do conflito no sul da Faixa de Gaza quando o Crescente Vermelho palestino perdeu contato com os funcionários, de acordo com um comunicado da Cruz Vermelha.
Eles ficaram desaparecidos até 30 de março, quando uma operação de resgate recuperou os corpos em uma vala comum perto de Rafah, segundo o Ocha (Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU).
Na ocasião, o Exército de Israel negou as acusações. O tenente-coronel Nadav Shoshani, um porta-voz militar israelense, havia afirmado que as tropas abriram fogo contra veículos que não tinham autorização prévia das autoridades de Tel Aviv para circular e estavam com as luzes apagadas.
Um vídeo obtido pela agência de notícias AFP, no entanto, contradiz essa versão. Nas imagens, é possível observar os últimos momentos da equipe, de acordo com o Crescente Vermelho palestino ambulâncias claramente sinalizadas e com luzes de emergência piscando são alvejadas com tiros.
Na gravação, aparentemente feita do interior de um veículo em movimento, aparecem um caminhão de bombeiros vermelho e ambulâncias. Os veículos param ao lado de outro na beira de uma estrada, e dois homens uniformizados saem. Momentos depois, começa um intenso tiroteio.
No vídeo, ouvem-se vozes que seriam de dois médicos. “O veículo, o veículo”, diz um. “Parece um acidente”, afirma outro. Uma rajada de tiros ocorre segundos depois, e a tela fica preta.
Entre os mortos estão oito membros da equipe do Crescente Vermelho Palestino, seis membros da agência de defesa civil de Gaza e um funcionário da agência da ONU para refugiados palestinos (UNRWA).
“Este vídeo refuta inequivocamente as alegações da ocupação de que as forças israelenses não atacaram ambulâncias aleatoriamente e que alguns veículos se aproximaram de forma suspeita sem luzes ou marcas de emergência”, disse o Crescente Vermelho em um comunicado divulgado à época.
Além da gravação, o relato de Munther Abed também fragilizava a versão de Tel Aviv sobre o caso. Ele afirmou ao jornal britânico The Guardian que estava na primeira ambulância que chegou ao distrito de Hashashin, em Rafah, para atender a pessoas feridas por um ataque aéreo.
Embora o carro estivesse com as luzes ligadas, segundo Abed, militares israelenses abriram fogo, matando seus dois colegas que estavam sentados na frente do veículo ele diz ter sobrevivido porque estava na parte de trás do carro e se abaixou.
“A partir do momento em que o tiroteio começou, imediatamente me joguei no chão da ambulância. Não ouvi nada dos meus colegas, exceto os sons de seus últimos momentos, ouvindo-os dar seu último suspiro”, disse ele. “De repente, tudo ficou quieto, a ambulância parou, e as luzes se apagaram. A porta do motorista se abriu e ouvi vozes falando em hebraico. Medo e pânico tomaram conta de mim, e comecei a recitar algumas citações do Alcorão.” Abed relatou ter sido espancado e torturado em seguida.
O assassinato dos 15 médicos se tornou o ataque mais mortal a funcionários da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho em todo o mundo desde 2017.