Por Simone Salles
A morte de Sarah Raíssa Pereira de Castro, de apenas 8 anos, trouxe à tona um tema alarmante: os desafios perigosos que circulam nas redes sociais. A menina não resistiu e teve morte cerebral confirmada dias após inalar gás desodorante aerosol, incentivada por um “jogo” que se espalhou na plataforma TikTok. O incidente é mais um que destaca a vulnerabilidade dos jovens diante de conteúdos nocivos online.
Esse não é um caso isolado. Três anos antes, o menino de 10 anos, João Victor Santos Mapa, morreu em Belo Horizonte da mesma maneira. No mundo todo, outros jovens também perderam a vida ou sofreram graves consequências devido a desafios extremos. Nos Estados Unidos, Jacob, um adolescente de 13 anos, morreu de overdose depois de ingerir uma grande quantidade de um antialérgico. Ele e os amigos participavam de um desafio viralizado pelo TikTok que incentiva a ingestão de comprimidos.
No Brasil, em 2019, a estudante Emanuela Medeiros, 16 anos, sofreu traumatismo craniano depois de ser vítima do desafio da rasteira, também conhecido como “quebra crânio” ou roleta humana. Ela estava no colégio e foi levada ao hospital, mas não sobreviveu.
Levantamento recente realizado pelo Instituto DimiCuida aponta que, desde 2014, 56 menores entre 7 e 18 anos morreram ou se feriram no Brasil por conta de desafios da internet. A organização desenvolve pesquisas, promove palestras, trabalha na prevenção dos jogos de não-oxigenação e das brincadeiras perigosas e incentiva a educação para a participação responsável e segura no mundo digital. DimiCuida foi fundado por Demétrio Jereissati em 2014, após seu filho Dimitri perder a vida aos 16 anos praticando o jogo do desmaio.
Muitos desses episódios ocorreram nos próprios lares das vítimas ou em ambientes considerados seguros, como escolas. O que reforça a ideia que alguns especialistas defendem de que menores não podem ser deixados sozinhos navegando no mundo digital, uma vez que o perigo se equipara a deixá-los em um clube ou uma festa sem supervisão. A repetição revela a urgência de uma vigilância mais atenta por parte de pais e responsáveis, que devem monitorar o conteúdo acessado por crianças e adolescentes nos celulares e laptops, além de promover conversas abertas sobre os riscos associados a essas práticas.
Nos tempos sem internet, já se orientava para que os filhos não falassem com estranhos, não aceitassem caronas, não comessem balas oferecidas. Hoje, basta adaptar esses conselhos: os filhos não devem trocar mensagens nem vídeos com estranhos, não devem marcar encontros, não devem fazer o que pedem, como enviar fotos íntimas.
Os desafios online podem parecer inofensivos, mas têm o potencial de causar danos irreparáveis. Os colegas em geral incitam os mais vulneráveis, que cedem à pressão do grupo e se mutilam , enforcam ou até mesmo colocam fogo no corpo enquanto são filmados e recebem curtidas nas redes sociais. São “brincadeiras” de alto risco, mas que são apresentadas como seguras. Também são ensinadas formas de driblar os pais.
Dzhyan, adolescente americano, sofreu queimaduras na barriga, no tórax, no rosto e no pescoço após participar de um desafio das redes sociais. Ele derramou álcool em uma vela e acendeu fogo em si mesmo. Passou 1 mês internado e realizou várias cirurgias.
Outro jovem americano, o tiktoker Mason Dark, 16 anos, teve 76% do corpo queimado ao tentar fazer o desafio do fogo com amigos. Eles resolveram fazer uma tocha improvisada com um lata de tinta spray e um isqueiro. O resultado foram meses de internação em um hospital com queimaduras, necessidade de enxertos e muito sofrimento.
A psicóloga Fabiana Vasconcelos, responsável pelo desenvolvimento das metodologias e livros de Educação e Prevenção do Instituto DimiCuida, com foco na pesquisa dos comportamentos no mundo digital, critica a participação de menores de 13 anos em mídias sociais como TikTok, Instagram e Snapchat. Em sua avaliação, as famílias deveriam questionar todos os dias o que as crianças estão vendo na internet. Ela critica, ainda, a falta de políticas públicas sobre a questão. Para Fabiana, a proteção eficaz deve partir do tripé família-escola-poder público. Além dos pais, os educadores e a sociedade devem coibir essas práticas virtuais ao alertar sobre os riscos envolvidos.
A educação e a conscientização são ferramentas essenciais para proteger as novas gerações de influências nocivas.
Por nota, a plataforma TikTok esclareceu que “conteúdos que promovam comportamentos perigosos” são removidos e lamentou o ocorrido. Embora afirme que a exibição de desafios não seja permitida, os acidentes continuam.
A tragédia de Sarah e as ações do Instituto DimiCuida são lembretes de que a segurança dos jovens precisa ser uma prioridade. Nenhuma outra vida pode ser perdida em nome de desafios que, muitas vezes, são apenas uma busca por aceitação e reconhecimento nas redes sociais.