JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS)
As celebrações dos 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial fizeram autoridades europeias e russas trocarem farpas nesta semana. No meio da disputa retórica, com ameaças e constrangimentos de lado a lado, encontra-se, entre outros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, convidado para a parte russa da festa.
No dia 8 de maio, a Alemanha nazista se rendeu a tropas aliadas em diversos pontos da Europa.
Em Berlim, a qual o Exército Vermelho chegou primeiro, dias depois de Adolf Hitler cometer suicídio, a capitulação alemã se deu, pelo horário russo, em 9 de maio. As diferenças atuais entre União Europeia e Rússia, porém, vão muito além do fuso horário.
Na segunda-feira (15), a chefe da diplomacia da UE, Kaja Kallas, declarou após reunião com chanceleres em Luxemburgo que a participação no evento organizado por Vladimir Putin poderia comprometer a candidatura de países que buscam aderir ao bloco. “Deixamos bem claro que não queremos que nenhum país candidato [à UE] participe desses eventos em 9 de maio em Moscou.
Isso ficou bem claro”, disse a ex-premiê da Estônia, que, na Comissão Europeia, atua como uma ministra de Relações Exteriores.
O recado era para os seis países dos Balcãs que postulam integração ao bloco, mas também para diversos líderes que tentam driblar o distanciamento que Bruxelas impõe a Moscou devido à guerra na Ucrânia. O primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, um dos mais vocais apoiadores de Putin na UE, confirmou que vai comparecer à parada militar russa, assim como o presidente sérvio, Aleksandar Suvic, um nacionalista acossado por uma onda de protestos contra a corrupção no país.
Viktor Orbán, primeiro-ministro húngaro, que prestigiou o evento algumas vezes, teria declinado do deste ano por alegados compromissos nos EUA. Donald Trump também foi convidado, mas a Casa Branca declarou que o presidente americano descarta comparecer ao dia da “Vitória na Grande Guerra Patriótica”, como os russos se referem à data.
O trunfo de Putin, porém, seria a presença de Lula, do presidente chinês, Xi Jinping e do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, aliados nos Brics e atores da geopolítica que o autocrata russo se esforça em desenhar. Dias depois, opresidente brasileiro será recebido em Pequim, fechando um périplo muito distante das aspirações europeias.
A chancelaria ucraniana tenta organizar um evento em Kiev, também no dia 9, para sublinhar o apoio europeu à Ucrânia. Na Alemanha, o Parlamento do país atendeu a um pedido do governo e não convidou os embaixadores de Rússia e Belarus para uma sessão especial que irá ocorrer no Bundestag no dia 8, com dezenas de diplomatas estacionados na capital alemã.
Na quarta-feira (16), um evento na cidade de Seelow, palco de uma batalha que vitimou cerca de 30 mil soldados soviéticos, entre eles muitos ucranianos, contou com a presença de Sergey Nechayev, diplomata russo, apesar de o governo alemão ter pedido que ele não comparecesse.
Berlim busca evitar que Moscou instrumentalize os eventos de caráter histórico com o discurso de que está combatendo neonazistas na Ucrânia.
Maria Zakharova, porta-voz do ministério das Relações Exteriores da Rússia, declarou que a desfeita diplomática era um insulto dos “herdeiros ideológicos e descendentes diretos” daqueles que cometerem assassinatos por Hitler.
A escalada retórica entre os países continuou nesta quinta-feira (17), quando o Kremlin considerou que a ideia alemã de fornecer mísseis de cruzeiro Taurus à Ucrânia transformaria o país em um participante do conflito. Friedrich Merz, conservador que deve assumir o cargo de primeiro-ministro na mesma semana em que ocorre a parada militar em Moscou, afirma desde a campanha eleitoral que a ajuda europeia à Ucrânia precisa ser mais incisiva e que o fornecimento dos mísseis está em seus planos de governo.