O Brasil vive um cenário crítico de desmonte da fiscalização trabalhista. Dos 3.644 cargos previstos para a carreira de auditor-fiscal do trabalho, 1.802 estão vagos — o que representa o menor efetivo dos últimos 35 anos. A carência de fiscais tem consequências diretas e graves: enfraquece o combate às irregularidades e expõe milhares de trabalhadores, especialmente os mais vulneráveis, a condições degradantes de trabalho.
Minas Gerais, estado com a maior população economicamente ativa do país fora do eixo Rio-São Paulo, lidera o ranking nacional de pessoas resgatadas de condições análogas à escravidão. Em 2024, o estado respondeu por 165 dos 727 casos registrados no Brasil, o equivalente a 22% do total nacional. A liderança mineira também se mantém na atualização da “lista suja” do trabalho escravo, divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego em abril de 2025. Minas é responsável por 159 dos 745 nomes divulgados, ou 21% do total. Dos 155 empregadores incluídos na lista no último ano, 80% atuam em atividades rurais e 18 foram responsabilizados por trabalho escravo em atividades domésticas.
Diante desse cenário, a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) solicitou oficialmente à ministra Esther Dweck, do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, a convocação dos candidatos aprovados no cadastro de reserva do Concurso Público Nacional Unificado (CPNU) para o cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho. Segundo a deputada, a medida é urgente e fundamental para recompor o quadro da fiscalização e garantir a proteção dos direitos trabalhistas, especialmente de populações em maior situação de vulnerabilidade, como indígenas, trabalhadores rurais e pessoas com deficiência.
“O número de fiscais em atividade está muito abaixo do necessário para que o Estado cumpra seu papel de proteger os trabalhadores. É urgente convocar os aprovados para recompor essa carreira e fortalecer a luta contra o trabalho escravo e outras formas de exploração”, afirmou a deputada mineira.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomenda ao Brasil um mínimo de 5.441 auditores-fiscais em atividade. Já o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) estima a necessidade de 8.000 profissionais para que a fiscalização seja efetiva. Atualmente, há menos da metade disso.
A deputada reforça que a atuação dos auditores não apenas tem impacto social direto, mas também gera retorno fiscal à União. De 2020 a 2023, as ações de fiscalização resultaram na notificação e recolhimento de mais de R$ 21 bilhões em FGTS. Além disso, estudos apresentados pela comissão de aprovados mostram que o trabalho dos fiscais contribui para redução de acidentes, aumento da formalização e arrecadação previdenciária.
Com previsão orçamentária já existente para novas convocações, Célia Xakriabá defende que uma nova turma com até 900 auditores seja formada ainda em 2025, o que permitiria preencher todos os cargos vagos e devolver ao Estado sua capacidade mínima de atuação na defesa da dignidade no trabalho.
“O trabalho não pode ser um instrumento de violência. E, sem fiscalização, o Brasil vira as costas para os trabalhadores e para os direitos mais elementares da nossa Constituição. Não podemos permitir que isso continue”, concluiu a deputada.
Casos recentes expõem vulnerabilidade de trabalhadores indígenas
Dois casos recentes ganharam repercussão nacional e escancararam a urgência do tema. Em fevereiro de 2025, uma força-tarefa do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resgatou 18 indígenas da etnia Kaingang em Bento Gonçalves (RS). Eles haviam sido contratados por uma empresa terceirizada para a colheita de uvas e estavam em condições degradantes, segundo os auditores-fiscais que coordenaram a operação. A ação contou com o apoio da Secretaria de Assistência Social, Guarda Municipal e Polícia Rodoviária Federal.
Já em março, 35 indígenas foram resgatados em Pedreira (SP), em situação análoga à escravidão. Os trabalhadores, originários do Mato Grosso do Sul, foram trazidos ao interior paulista por uma empresa contratante. Após o resgate, eles retornaram ao estado de origem em um ônibus fretado pela própria empresa, conforme divulgou o Ministério Público do Trabalho.
Esses casos demonstram como a falta de fiscalização suficiente contribui diretamente para a repetição de violações graves — especialmente contra os grupos mais vulneráveis.