Impulsionadas pelos efeitos da guerra comercial iniciada pelo governo de Donald Trump, as importações brasileiras de produtos chineses atingiram um recorde histórico no primeiro trimestre de 2025. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), o volume importado somou US$ 19,058 bilhões, um crescimento de 34,9% em relação ao mesmo período de 2024, quando o valor foi de US$ 14,124 bilhões. Este é o maior montante já registrado para o trimestre desde o início da série histórica, em 1989. O recorde anterior era de 2022, com US$ 14,708 bilhões.
Esse movimento reflete a estratégia da China de acelerar exportações para evitar os impactos do aumento das tarifas americanas. Em março, as exportações chinesas cresceram 12,4% em relação ao mesmo mês do ano anterior, demonstrando uma corrida para fechar contratos antes da vigência das novas tarifas impostas pelos EUA.
“Houve uma corrida aos navios, com uma aceleração importante das exportações chinesas no final do ano passado e no começo deste ano”, explica Livio Ribeiro, sócio da consultoria BRCG e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre). “A China intensificou os embarques para aproveitar a estrutura tarifária anterior.”
No Brasil, os produtos chineses representaram 28,3% do total importado no trimestre. As principais aquisições foram plataformas e embarcações (US$ 2,662 bilhões) e válvulas e tubos (US$ 1,014 bilhão). Para José Augusto de Castro, presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), os chineses têm oferecido condições muito atrativas, incentivando importadores brasileiros a fechar negócios mesmo sem necessidade imediata.
Em 2024, as importações do Brasil vindas da China totalizaram US$ 63,636 bilhões, alta de 19,7% em relação ao ano anterior.
Cenário global incerto
Desde o retorno de Trump à presidência dos EUA, a política tarifária americana tem sido adotada de forma agressiva. Recentemente, a Casa Branca anunciou tarifas de até 145% sobre produtos chineses. Para os demais países, as tarifas recíprocas foram temporariamente fixadas em 10% por 90 dias. Em resposta, a China impôs tarifas de 125% aos EUA.
Especialistas alertam que o comércio global está em um momento de incerteza. A principal preocupação é o que acontecerá com o excedente de produtos chineses, caso o país enfrente barreiras maiores para acessar o mercado norte-americano. Como a China exporta cerca de US$ 450 bilhões por ano para os EUA, parte desses produtos poderá ser redirecionada a outros mercados, como o brasileiro.
“Se me perguntassem em janeiro, eu diria que o avanço da importação chinesa continuaria, mas em ritmo menor, por causa da desaceleração econômica brasileira. Agora, com essas novas medidas de Trump, o cenário mudou completamente. Teremos uma sobreoferta de produtos chineses”, afirma Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil. Segundo ele, o desvio de comércio é inevitável.
A baixa propensão ao consumo interno na China, devido à elevada taxa de poupança, agrava o problema. Em março, o governo chinês anunciou um plano para elevar a renda e estimular o consumo, com a meta de crescimento do PIB fixada em torno de 5% para 2025. No entanto, conforme analisa Livio Ribeiro, embora o discurso do governo esteja mais voltado ao estímulo ao consumo, as políticas implementadas ainda não refletem essa mudança.
Caso o plano de estímulo ao consumo não avance e o comércio global continue travado, o risco é que o excesso de produtos chineses comece a invadir outros mercados. “A China vai tentar vender a qualquer preço, enquanto o Brasil tentará impedir essa entrada a qualquer custo”, afirma Castro. “O Brasil está cercado por todos os lados e pode se tornar o destino de parte das exportações que antes iam para os EUA.”
Em novembro passado, os presidentes de Brasil e China assinaram 37 acordos bilaterais envolvendo áreas como agricultura, indústria, investimentos e infraestrutura. Em maio, está prevista a visita do presidente Lula à China.
“Todos os países podem ser alvos desse excesso de produtos”, avalia Livio. “O Brasil, como México, Europa e países do Sudeste Asiático, tem uma indústria suficientemente estruturada para ao menos pressionar por medidas de proteção.” Ele lembra que a Anfavea, associação da indústria automobilística brasileira, conseguiu a imposição de tarifas sobre veículos elétricos chineses, e esse tipo de reação deve se intensificar nos próximos meses.
Segundo ele, o risco maior é o surgimento de uma reação em cadeia de tarifas entre países, o que pode desorganizar o comércio internacional. “Se cada país começar a impor barreiras, isso vira uma bagunça.”
As informações são do jornal O Estado de São Paulo.