VICTOR LACOMBE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, recebeu nesta segunda-feira (14) o líder autoritário de El Salvador, Nayib Bukele, para conversas bilaterais na Casa Branca. O encontro aconteceu em meio às controversas deportações de imigrantes venezuelanos dos EUA para megaprisões no país da América Central -o governo americano sustenta, sem provas, de que se trata de criminosos.
Entre os imigrantes enviados para essas prisões, o caso que recebeu mais atenção é o de Kilmar Abrego Garcia, deportado ilegalmente para El Salvador pelo governo Trump. Em conversa com a imprensa no Salão Oval ao lado do presidente americano, Bukele disse que não libertará Garcia, a quem chamou de “terrorista criminoso”.
O Secretário de Estado, Marco Rubio, e a secretária da Justiça, Pam Bondi, afirmaram incorretamente que o salvadorenho estava no país ilegalmente -embora ele tenha entrado nos EUA de maneira irregular, uma decisão de 2019 da Justiça regularizou seu status e proibiu sua deportação, uma vez que ele corria risco de tortura se voltasse ao país de origem.
Rubio e Bondi disseram nesta segunda no Salão Oval que o retorno de Garcia é uma decisão de El Salvador, e Bukele perguntou de forma irônica: “o que vocês querem que eu faça? Querem que eu leve ele em contrabando para os EUA? É lógico que não vou fazer isso, nem vou soltar um terrorista perigoso em El Salvador”, afirmou.
Kilmar Garcia vivia nos EUA há anos em situação legal sem nunca ser acusado de qualquer crime quando foi deportado para seu país de origem e enviado para uma das prisões de segurança máxima de Bukele -a Justiça americana entendeu que a deportação foi ilegal, uma vez que Garcia sofria risco de tortura em El Salvador e não poderia ter sido enviado para lá.
A defesa da Casa Branca diz que Garcia era membro da facção criminosa MS-13 e, embora tenha reconhecido que ele fora enviado erroneamente a El Salvador, insistiu que o Judiciário não tem competência para interferir no caso e “trazer um membro de uma organização terrorista estrangeira de volta ao território americano” -argumentação repetida por Rubio e Bondi nesta segunda.
Para a juíza de primeira instância Paula Xinis, entretanto, a acusação de que Garcia era membro de uma fação tratava-se de “uma alegação sem qualquer base, consistindo apenas no fato de que [o imigrante] usava um casaco com capuz e que um informante disse que ele pertencia ao MS-13 de Nova York, uma cidade onde nunca morou”. Xinis disse que o governo Trump cometeu “um grave erro” que “choca a consciência de todos” ao deportar Garcia.
Na última quinta-feira (10), a Suprema Corte decidiu que o governo Trump precisa trazer Garcia de volta.
Mas a Casa Branca vem desafiando a Justiça e diz não ter capacidade de tirar o salvadorenho da prisão, e nesta segunda, membros do governo Trump disse que a decisão da Suprema Corte só poderia ser cumprida se El Salvador resolvesse libertar Garcia.
Em audiência na sexta (11), advogados do governo não informaram a Xinis como pretendem reintegrar o imigrante e disseram não ter informações sobre suas condições, apenas que estava vivo e em poder do governo salvadorenho.
Para a defesa de Garcia, o governo Trump atrasa o processo apesar de ordens judiciais, enquanto a “vida e a segurança de um homem estão em risco”. Outros advogados também apontam irregularidades. Juízes da segunda instância chegaram a dizer que a deportação equivaleu a um ato de sequestro por parte dos EUA.
No começo do encontro no Salão Oval nesta segunda, Bukele, atento ao vocabulário trumpista, disse estar pronto para ajudar o país mais poderoso do mundo.
“Somos um país pequeno, mas se pudermos ajudar [os EUA], ajudaremos”, afirmou, em referência à deportação e prisão de imigrantes. “Não se pode esperar que a criminalidade vai cair se você soltar criminosos. É preciso prendê-los”, afirmou, acrescentando uma anedota sobre um suposto criminoso venezuelano enviado a El Salvador depois de ter sido preso e solto seis vezes nos EUA.
Trump, visivelmente confortável e em tom de conversa leve, agradeceu a oferta de Bukele e passou longo tempo criticando seu predecessor, Joe Biden, e o Partido Democrata pelo que chamou de “situação desastrosa” da fronteira. Também aproveitou para atacar a imprensa, utilizando uma pergunta retórica de Bukele. “Por que a imprensa não relata seus números incríveis na fronteira?”, questionou o salvadorenho, ao que Trump respondeu: “provavelmente por que eles, a CNN… eles odeiam nosso país.”
Bukele e Trump têm relações amigáveis desde antes da chegada do republicano ao seu novo mandato em janeiro deste ano. Em 2024, o presidente de El Salvador esteve na Cpac, importante conferência conservadora dos EUA, e apresentou seu país como uma espécie de modelo para a direita global, dizendo: “em El Salvador, o globalismo está morto”.
Recentemente, Bukele também foi protagonista em um dos embates de Trump com a Justiça na questão imigratória: quando a Casa Branca deportou imigrantes para El Salvador e um juiz federal determinou que os aviões dessem meia-volta, o governo Trump ignorou a ordem -e Bukele ironizou a Justiça. “Ops… tarde demais”, escreveu ele no X após a chegada dos migrantes, que foram algemados e enviados a um presídio de segurança máxima, recebidos como criminosos perigosos.