JULIA CHAIB
CAMBRIDGE, EUA (FOLHAPRESS)
A crítica à política comercial de Donald Trump permeou os debates com alguns dos principais investidores brasileiros em uma conferência nos Estados Unidos nesse final de semana.
A preocupação com os rumos da guerra comercial travada pelo governo americano marcou as falas do empresário Jorge Paulo Lemann, 85, do banqueiro André Esteves e do ex-presidente do Banco Central e investidor Armínio Fraga.
As declarações foram dadas durante a Brazil Conference, organizada por estudantes do MIT e de Harvard. Com uma lista eclética de palestrantes de diversas áreas, o evento colocou na mesma sala dois bilionários que há pouco tempo se enfrentaram na Justiça por meio de suas empresas: Lemann, sócio das Americanas, e Esteves, chairman do BTG.
Quando o escândalo da varejista estourou, BTG era um dos principais credores da empresa, que passa por um processo de recuperação judicial. À época, em uma ação em que pedia o bloqueio de recursos da varejista, o BTG chegou a chamar o trio de acionistas de referência da empresa de “fraudadores que dão ‘uma de maluco’”. Depois, houve uma espécie de armistício.
Os dois assistiram a painéis simultaneamente e, neste domingo, prestigiaram uma conversa entre Alex Behring, sócio da 3G Capital, e Florian Bartunek, sócio-fundador da gestora Constellation. A conversa foi mediada por um dos filhos de Esteves, num painel sobre investimentos e carreira.
Nem Lemann nem Esteves mencionaram o caso Americanas em suas intervenções. O sócio do BTG também não falou sobre a venda do Master ao BRB, negociação da qual participa.
No sábado (12), Esteves afirmou ver a política de Trump como um “horror geopolítico, moral e econômico”. Ele afirmou em seguida que, apesar de ser crítico à guerra comercial, o Brasil é o menos afetado no jogo.
“Por que ele é menos afetado? Porque a tarifa é um instrumento essencialmente contra produtos industrializados, ou pelo menos ele é muito mais efetivo que produtos industrializados”, disse, depois de explicar que o Brasil é essencialmente um exportador de commodities. Mesmo antes do recuo de Trump e da suspensão por 90 dias das tarifas mais altas, o Brasil já estava incluído no grupo taxado com o índice mínimo, de 10%.
Esteves disse ainda “existir uma falsa impressão” de que bancos ganham com juros altos.
Já Lemann afirmou neste sábado que a política comercial adotada por Trump está confusa “demais para o seu gosto”. “Eu acredito em causar um pouco de disrupção, em sacudir as coisas. E certamente estamos sacudindo, mas acho que estão sacudindo um pouco demais. E, bom, ninguém realmente sabe o resultado. Tem que ir navegando”, afirmou o sócio do 3G Capital.
Armínio Fraga, por sua vez, disse ter ficado assustado com declarações de Trump. “Quando vejo Trump maltratando e humilhando o Canadá e o México, fico um pouco assustado. Onde é que a gente vai desse jeito?”, afirmou. Segundo ele, os EUA sempre foram uma espécie “estrela guia” para o resto do planeta e que a perda do “soft power” representa uma situação perigosa.
Nos painéis, os empresários comentaram a situação dos juros e a economia brasileira, além de responderem a perguntas sobre dicas de investimento e negócios.
Já Fraga sugeriu o congelamento do aumento real do salário mínimo por seis anos como uma medida de aperto fiscal ao Brasil.
O empresário João Camargo e Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do conselho de administração do Bradesco, também foram à conferência, embora não tenham dado palestras. O evento reuniu sobretudo estudantes nos Estados Unidos.
O presidente do Google, Fábio Coelho, e a diretora-geral da Microsoft, Tânia Constantino, falaram neste domingo e pediram mais investimento do Brasil em profissionais da tecnologia.
Ainda neste domingo, o empresário Henrique Dubugras, 29, entrevistou o prefeito do Recife, João Campos, e abordou o uso da tecnologia nos espaços públicos. A conferência ainda reuniu artistas, como Carlinhos Brown, Ana Maria Braga, Sabrina Sato e autoridades do Brasil, como Gilmar Mendes, Paulo Gonet (Procuradoria-Geral da República) e Andrei Rodrigues, diretor-geral da Polícia Federal.