O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o mandatário que menos se reuniu com parlamentares nos primeiros 28 meses de governo desde que a Lei de Acesso à Informação (LAI) passou a exigir a divulgação pública das agendas, em 2012. De lá para cá, no segundo governo Dilma Rousseff, iniciado em 2015 e que durou apenas um ano e cinco meses, no de Michel Temer, seu sucessor após o impeachment, e no de Jair Bolsonaro, os parlamentares tiveram mais encontros com os presidentes. De 2023 até agora, o petista registra apenas 96 agendas com congressistas no Palácio do Planalto, enquanto seu antecessor, no mesmo intervalo, esteve com deputados federais ou senadores em 502 ocasiões.
Por meio de nota, a Secretaria de Relações Institucionais informou que o presidente Lula mantém contatos com parlamentares também em viagens oficiais e encontros informais, além das agendas no gabinete. Segundo a pasta, o presidente tem priorizado o diálogo com o Congresso em temas de interesse nacional e reiterado a importância das duas Casas na aprovação de medidas relevantes do governo, como a Reforma Tributária.
Em 2023, primeiro ano do atual mandato, Lula participou de 47 agendas com parlamentares. No ano seguinte, o número se manteve praticamente estável, com 42 encontros registrados até o fim de dezembro. Já até abril de 2025, o petista esteve em apenas sete ocasiões com algum deputado ou senador, totalizando 96 interações com congressistas desde o início do mandato.
O levantamento foi feito com base nos dados da Agência Transparente, ferramenta criada pela ONG Fiquem Sabendo, que compila diariamente os compromissos divulgados nos canais oficiais do governo. Foram considerados encontros presenciais com deputados, senadores, presidentes da Câmara e do Senado, além de líderes de bancadas ou de partidos com mandato vigente, registrados na agenda oficial da Presidência da República. Também foram incluídos os casos em que essas reuniões contaram com a presença de outras autoridades, como ministros, governadores e prefeitos.
Mais de 97% dessas agendas contaram com a presença de deputados e senadores do próprio PT. Foram raras as ocasiões em que Lula se reuniu com lideranças de siglas fora do núcleo petista, como no primeiro ano de governo, quando recebeu integrantes do Progressistas, ou mais recentemente, em fevereiro de 2024, ao se encontrar com os líderes do Republicanos, PSD e Podemos.
Para Leandro Consentino, professor de Ciência Política do Insper, embora a agenda oficial não registre reuniões realizadas fora dos canais de divulgação pública, o fato de Lula ter adotado uma postura de articular menos diretamente com o Congresso contribui para as dificuldades do governo em aprovar pautas prioritárias e manter uma base coesa desde o início do terceiro mandato. “Isso pode resvalar no projeto de reeleição de Lula em 2026″, afirma o cientista político. “Ele precisa do Congresso neste ano mais do que nunca para aprovar projetos econômicos.”
A percepção de que Lula tem demonstrado pouca paciência para as rotinas do governo e para os rituais da política parte de partidos da própria base governista no Congresso. O deputado federal Mário Heringer, líder do PDT na Câmara, afirma que a queixa é recorrente e que o presidente, de fato, se afastou das relações com o Legislativo neste terceiro mandato. “É o período em que Lula está mais distante do Legislativo de verdade”, diz, afirmando que a postura contribuiu para uma série de derrotas do governo no Congresso.
O Estadão apurou que a insatisfação vem desde o primeiro ano de mandato, em 2023, quando parlamentares já se queixavam do distanciamento e da falta de disposição do presidente em recebê-los no Planalto.
Agora, porém, líderes partidários ouvidos pela reportagem afirmam que há a expectativa de que o mandatário passe a receber com mais frequência deputados e senadores. A virada de chave, segundo congressistas, é atribuída à recente viagem ao Japão, na qual Lula esteve acompanhado dos presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre, além de outros parlamentares. A agenda internacional serviu para “ajustar os ponteiros” entre o Executivo e o Congresso.
Em outra frente, a entrada de Gleisi Hoffmann na Secretaria de Relações Institucionais, responsável pela articulação política do governo, também foi bem recebida por parlamentares. Presidente do PT e próxima de Motta, Gleisi assumiu o posto no lugar de Alexandre Padilha e tem sido descrita nos bastidores como uma “articuladora profissional”, capaz de reabrir canais que estavam travados desde o início do governo, em um momento de reposicionamento político com vistas às eleições presidenciais de 2026.
A mudança ocorre enquanto tramitam no Congresso projetos considerados prioritários para o Planalto, como a PEC da Segurança Pública, o acesso de trabalhadores do setor privado ao crédito consignado, o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, a reforma tributária sobre o consumo e a aprovação do novo Plano Nacional de Educação.
Consentino aposta que, com a proximidade da disputa eleitoral, a tendência é que as reuniões entre o Executivo e o Congresso aumentem, mas pondera que a disposição para o diálogo precisa partir de ambos os lados.
Para ele, o número reduzido de encontros no atual mandato reflete, de um lado, uma estratégia até aqui mal calibrada de Lula, que tem adotado uma postura mais institucional, concentrando as conversas nos presidentes das Casas e delegando o varejo político a ministros e líderes; e, de outro, uma mudança estrutural na relação entre os Poderes, impulsionada pelo fortalecimento do Congresso — especialmente por meio das emendas parlamentares, que deram mais autonomia aos congressistas e reduziram a dependência do Executivo na liberação de recursos, já que grande parte dessas verbas passou a ter pagamento obrigatório.
“Esses encontros dependem dos dois lados. Os parlamentares estão mais independentes e não precisam mais ‘beijar a mão do presidente’ para ter suas verbas liberadas e Lula vem apostando em uma estratégia institucional, articulando por meio de líderes e dos presidentes das Casas”, completa.
Os dados da agenda presidencial confirmam essa dinâmica. Os senadores Randolfe Rodrigues (líder do governo no Congresso) e Jaques Wagner (líder do governo no Senado) estiveram presentes em quatro de cada dez reuniões com parlamentares. Já os então presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP) e Rodrigo Pacheco, participaram de 40% dos encontros registrados no período.
O professor de Ciência Política do IDP Vinicius Alves acrescenta que a atual configuração do Congresso, cada vez mais dominada por siglas conservadoras, também ajuda a explicar o distanciamento. Em sua avaliação, o comando da Câmara e do Senado está nas mãos de líderes desses partidos — alguns deles mais extremados — com forte capacidade de aglutinação, o que dificulta a abertura para o diálogo com o governo, em parte pela percepção de que essa aproximação pode gerar desgaste com suas bases. “Esses parlamentares possivelmente já antecipam os custos eleitorais de uma maior proximidade com o governo”, afirma.
Levantamento mostra que antecessores mantiveram mais reuniões com parlamentares
O cenário de distanciamento do governo Lula III em relação ao Congresso fica ainda mais evidente quando comparado aos 28 primeiros meses de seus antecessores, inclusive Dilma, que iniciou seu segundo mandato em 2015, mas teve o governo interrompido em agosto de 2016 com o impeachment, sem completar dois anos no cargo. Ainda assim, mesmo sob forte pressão política e institucional, Dilma manteve um nível mais elevado de interlocução direta com o Legislativo do que o atual presidente: foram 158 agendas com parlamentares registradas entre 2015 e 2016, impulsionadas pela tentativa de reverter o processo de impedimento.
Na sequência, Michel Temer, que assumiu em maio de 2016 após o afastamento de Dilma e era conhecido por seu perfil articulador, esteve em 498 encontros com parlamentares ao longo de dois anos e quatro meses. Foram 118 entre agosto e dezembro de 2016, 324 ao longo de 2017, quando enfrentou o auge das denúncias da Procuradoria-Geral da República contra ele, e mais 56 até setembro de 2018.
Já Jair Bolsonaro, adversário de Lula em 2022, foi o presidente que mais se reuniu com parlamentares desde 2015, totalizando 502 encontros em 28 meses de governo: 222 em 2019, 212 em 2020 e 68 até abril de 2021. Do total, 377 foram com filiados a partidos do Centrão. O número contrasta com o discurso de campanha do ex-presidente, que prometia romper com a “velha política” e se manter distante do Centrão, mas que, na prática, buscou apoio estratégico no Congresso desde o início da gestão.
A influência familiar também se destaca nos compromissos oficiais. Os filhos de Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro e o deputado federal Eduardo Bolsonaro, participaram de mais de 50 reuniões de parlamentares com o presidente, o equivalente a quase um em cada nove encontros registrados no período.
Veja a nota na íntegra:
O presidente Lula mantém contatos com parlamentares em viagens oficiais e encontros informais, além das agendas no gabinete. Por entender a importância do relacionamento político e institucional com o Poder Legislativo, fez questão de apresentar aos presidentes da Câmara e do Senado propostas relevantes para o país, como a PEC da Segurança e o projeto da isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil por mês, além de dialogar pessoalmente sobre questões de interesse nacional. E tem se referido constantemente ao papel do Congresso na aprovação de medidas relevantes neste governo, como a Reforma Tributária, para citar apenas o exemplo mais importante.
Estadão Conteúdo