Há quatro meses, o governo Lula tem vendido títulos da dívida pública com vencimento próximo a dez anos a uma taxa real — já descontada a inflação — acima de 7%. Durante o segundo mandato de Dilma Rousseff, entre 2015 e 2016, esse mesmo patamar foi observado por seis meses, em meio às crises política, econômica e institucional que culminaram no impeachment da presidente.
Especialistas apontam que esse cenário dificulta a redução da dívida pública, hoje estimada em 76% do PIB. Procurados, o Tesouro Nacional e o Ministério da Fazenda não se pronunciaram. A colocação de títulos com vencimento em dez anos tem servido como um indicador mais sensível da política fiscal, pois sinaliza a percepção do mercado em relação à sustentabilidade das contas públicas.
Quando os gastos do governo superam a arrecadação — como ocorre no Brasil há mais de uma década — é necessário contrair mais dívida. Juros mais altos nesses papéis indicam um prêmio maior exigido pelo mercado e refletem desconfiança sobre uma possível melhora fiscal. O Tesouro IPCA (NTN-B), que remunera com juros reais mais inflação, foi vendido no início de 2023 com taxa média de 5,45%. Em abril, atingiu 6%, superando 7% em 3 de dezembro e permanecendo nesse patamar desde então. No dia 1º deste mês, foi negociado a 7,84%. Já o título com vencimento em 2035 foi vendido a 7,57% em 8 de abril.
Durante o governo Dilma, títulos semelhantes ficaram com taxas médias acima de 7% entre agosto de 2015 e fevereiro de 2016, recuando apenas após a expectativa de aprovação do impeachment.
“Naquele período, havia diversas crises simultâneas e o mercado enfrentava grande incerteza fiscal, pois não se sabia a real dimensão das pedaladas fiscais”, explica Jeferson Bittencourt, ex-secretário do Tesouro e atual head de macroeconomia da ASA Investments.
Segundo Bittencourt, as taxas atuais refletem não incerteza, mas a percepção clara de que o novo arcabouço fiscal tem capacidade limitada. Ele projeta que, mesmo sem déficit, o Brasil levaria 13 anos para estabilizar sua dívida pública, considerando que o arcabouço eleva o superávit em apenas 0,2% ao ano. “Hoje, essa taxa de juros não é reflexo de dúvida, mas da constatação de que o arcabouço, como está, não gera trajetória de solvência. A dívida continuará crescendo”, afirma.
Outro comparativo entre os dois períodos é a diferença entre as taxas brasileiras e as dos títulos dos EUA. Em 2015 e 2016, essa diferença era de sete pontos percentuais. Hoje, é de 5,5 pontos. No entanto, Bittencourt avalia que o patamar atual acima de 7% deve se manter por mais tempo do que no governo Dilma.
As tensões no mercado global, agravadas pelas medidas protecionistas de Donald Trump, também contribuíram para a alta nas taxas brasileiras. Títulos de curto prazo foram afetados, o que pressionou também os de longo prazo.
O Tesouro IPCA 2026 chegou a 9,51% em 11 de abril, contra 9,29% na semana anterior. Já o papel de dez anos foi cotado a 7,76%, ante 7,56%. Taxas elevadas prejudicam não apenas o governo, mas também o setor privado, que enfrenta custos ainda mais altos para se financiar. Esses títulos servem como referência para todo o mercado.
“Até 2027, não haverá mudanças significativas. O Brasil cresce entre 2% e 3% ao ano, mas de forma insustentável, puxado pelo consumo, sem ganho de produtividade ou aumento do investimento”, avalia Julio Ortiz, CEO da Cx3 Investimentos.
Para analistas, o governo abandonou a agenda de corte de gastos. Em dezembro, o pacote de redução de despesas foi finalizado, mas considerado insuficiente pelo mercado. O fracasso em consolidar o ajuste fiscal aumentou a dificuldade de venda de títulos e elevou os juros, expondo a desconfiança dos investidores.
A percepção predominante é de que, daqui em diante, o governo focará em ampliar isenções no Imposto de Renda, promover crédito e incentivar o consumo das famílias, com foco nas eleições de 2026. O cenário da dívida só melhoraria com uma sinalização clara de que o ajuste fiscal voltará a ser prioridade. “O governo já deixou claro que a reeleição está acima de qualquer compromisso com o equilíbrio fiscal”, conclui Ortiz.