
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) discute um projeto de Lei que visa proibir a fabricação, a venda e a distribuição de armas de gel no estado.
Conhecidos como gel blasters, os dispositivos têm o formato semelhante ao de uma arma de fogo, com a diferença de que disparam balas feitas de polímero superabsorvente, ou seja, que se expandem ao entrar em contato com a água. Eles viraram uma febre tanto entre jovens quanto entre adultos, em brincadeiras que simulam o combate armado.
No Rio, o projeto de Lei 4.202/24, de autoria da deputada Tia Ju (REP), foi votado em primeira discussão e aprovado com emendas parlamentares. Em seu discurso na Alerj, a parlamentar defendeu que o dispositivo não pode ser chamado de brinquedo, uma vez que “é muito perigoso”.
“Já existem vários registros de pessoas acidentadas, inclusive um bebê. Já existem vários registros de casos e vídeos viralizando na internet de adolescentes, jovens e adultos simulando guerras de facções nas ruas. Como que os policiais vão saber que aquilo é uma simulação de guerra de facção ou se aquilo realmente é uma guerra?”, questionou.
“As armas estão sendo pintadas de preto para que elas fiquem bem parecidas com as verdadeiras armas. Nós já vivemos em nosso estado um clima horrível de guerra, os nossos policiais ficam dando cambalhota no cérebro todo dia para tentar executar um bom trabalho. E aí a gente coloca no mercado um brinquedo maldito, desculpa a expressão, para brincar inclusive em espaços que não são públicos”, seguiu.
“Já que não se define se é brinquedo, se é arma, já que está sendo tão letal para a população e para aqueles que nada tem a ver, já que tem aqueles que usam para brincar, mas em massa tem aqueles que usam para fazer a perversidade, que eles não sejam produzidos”, pontuou.
Em nota enviada ao Portal iG, a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro explicou que, embora a venda dos dispositivos ainda não seja proibida, “é fundamental que as pessoas tenham cautela ao utilizar o brinquedo, especialmente em áreas com operações policiais, já que o mesmo pode ser confundido pelos agentes”. Além disso, adicionou que acompanha de perto o andamento da votação do PL na Alerj. (Confira a nota completa mais abaixo).
Popular entre crianças, jovens e adultos
As armas de gel se popularizaram nas redes sociais, onde os praticantes das “guerras” não só compartilham os vídeos de combate, como organizam os encontros para trocar disparos.
Nos grupos regionais, os participantes trocam informações sobre a capacidade, o peso e até a eficiência dos disparos de cada dispositivo. Além disso, estipulam as regras para cada combate: em alguns, o uso de óculos de proteção é obrigatório, enquanto outros não permitem a participação de menores de idade.
Apesar das regras, a segurança ainda é uma questão delicada nessas brincadeiras, como explica a pediatra Priscilla Fustinoni.
“Essa brincadeira pode trazer riscos à saúde, principalmente dos olhos, com o impacto gerando sangramentos, descolamento de retina, uveíte (inflamação) e até perda de visão. Pode também atingir ouvidos, cavidade nasal e oral, causando ferimentos graves”, diz.
Ela também pontua que o problema das simulações de tiroteio entre as crianças não se limita à questão física. “A brincadeira faz alusão à violência, estimulando comportamentos agressivos e colocando em risco a integridade psíquica da criança, favorecendo, por exemplo, transtornos de conduta”, diz.
Para a pediatra, medidas que proíbem a venda das armas de gel podem ajudar a solucionar o problema por enquanto, mas “o trabalho de educação das famílias e das crianças é o que surte maior impacto na prevenção de acidentes no geral”.
Apesar da popularidade, a comercialização é proibida
Um dos motivos que impulsiona a popularidade das gel blasters é o preço. Na aba de compras do Google, por exemplo, é possível encontrar o artefato por menos de R$ 200 e em grandes sites de varejo, como o Mercado Livre.
No entanto, a comercialização de réplicas de dispositivos que podem ser confundidos com armas de fogo é vedada pelo Art. 26 do Estatuto do Desarmamento: Art. 26. São vedadas a fabricação, a venda, a comercialização e a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que com estas se possam confundir. Parágrafo único. Excetuam-se da proibição as réplicas e os simulacros destinados à instrução, ao adestramento, ou à coleção de usuário autorizado, nas condições fixadas pelo Comando do Exército. Além disso, em outubro de 2024, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) emitiu o Ofício Circular nº 20/2024, em que determina que as armas com projéteis em gel não podem ser consideradas brinquedos, conforme a Portaria Inmetro nº 302/2021 e o Decreto nº 11.615/2023.
Com isso, a partir de 31 de outubro de 2024, se tornou obrigatório que fabricantes e importadores cancelassem os certificados desses produtos como brinquedos os retirassem do mercado com o Selo de Identificação da Conformidade.
Escalada de violência
Embora comercializadas como brinquedos inofensivos, as armas de gel podem causar incidentes que deixam sequelas permanentes e até a morte. Na cidade de Paulista, em Pernambuco, um menino de oito anos sofreu uma lesão ocular grave ao ser atingido por um disparo no olho, e precisou de cirurgia de emergência.
Já em Olinda, a capital pernambucana, uma brincadeira com arma de gel terminou em tragédia: durante um combate, um dos disparos atingiu uma mulher grávida. O companheiro dela reagiu violentamente ao incidente e matou o rapaz que atingiu a mulher com um tiro na cabeça.
Outros projetos de lei
Esta não é a primeira vez que as armas de gel são pauta em casas legislativas. Além do Rio de Janeiro, outros sete estados – Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Alagoas, Paraíba, São Paulo, Sergipe e Pernambuco – já discutiram sobre o uso e a comercialização do dispositivo.
Em Pernambuco, por exemplo, o deputado estadual Romero Albuquerque (União Brasil) apresentou um projeto de lei que visa proibir a comercialização e o uso das armas de gel após a alta no número de atendimentos hospitalares relacionados à prática.
Nota da Secretaria de Segurança Pública
A Secretaria de Segurança Pública do Rio esclarece que, embora a venda de armas de gel não seja proibida, é fundamental que as pessoas tenham cautela ao utilizar o brinquedo, especialmente em áreas com operações policiais, já que o mesmo pode ser confundido pelos agentes. Além disso, tramita na ALERJ um Projeto de Lei com o objetivo de proibir a fabricação, comercialização e distribuição desse tipo de brinquedo. A Secretaria acompanha de perto o andamento da votação.