CATARINA SCORTECCI
CURITIBA, PR (FOLHAPRESS)
Um grupo de 12 pessoas relatou ter sido levado pela Prefeitura de Cabo Frio (RJ) até a cidade de Linhares (ES) com a promessa de que haveria empregos garantidos para elas na região, em postos de trabalho ligados à colheita de café e à indústria moveleira. Ao chegarem lá, ainda segundo elas, não havia emprego algum.
O relato foi feito pelo próprio grupo à prefeitura de Linhares e também à Polícia Civil. Elas estavam em uma casa de passagem, unidade de acolhimento temporário para pessoas que estão em situação de rua, da Prefeitura de Cabo Frio.
O micro-ônibus, contratado pela gestão da cidade fluminense, chegou a Linhares no início da tarde de terça-feira (8). A distância entre as cidades é de 565 quilômetros.
Em nota encaminhada à Folha de S.Paulo, a Prefeitura de Cabo Frio confirma ter organizado a viagem, mas diz que não houve promessa de emprego por parte da administração.
Segundo a prefeitura, o grupo “manifestou o desejo de buscar oportunidades de trabalho na colheita de café naquela região, tendo como referência relatos de um dos acolhidos que dizia já ter trabalhado anteriormente nesse tipo de atividade no Espírito Santo”.
Em entrevista à Folha de S.Paulo nesta sexta-feira (11), o delegado Fabrício Lucindo, chefe da 16ª Delegacia Regional de Linhares, afirmou que todas as 12 pessoas relataram que o administrador da casa de passagem em Cabo Frio é quem teria feito a promessa de emprego.
“Eles contaram que o administrador da casa de passagem trouxe esta proposta de emprego e explicou que teria uma pessoa aguardando por eles aqui na rodoviária de Linhares, porque daqui eles iriam seguir para o alojamento onde iriam ficar”, disse o delegado.
“E que não precisavam trazer nenhuma mudança porque o alojamento conseguiria suprir todas as necessidades deles e, além disso, estariam com emprego certo, para trabalhar ou na colheita de café ou na indústria moveleira”, continuou o investigador.
O delegado contou que no grupo havia dez pessoas nascidas no Rio de Janeiro e duas da Bahia, e que elas viviam em Cabo Frio “de pedir esmola e catar lixo reciclável na rua”. Entre as 12 pessoas, explica, a maioria era homem em idade de trabalho, mas também havia idosos. Uma mulher grávida também integrava o grupo. A reportagem não conseguiu contato diretamente com elas, na tarde desta sexta.
Em suas redes sociais, o prefeito de Linhares, Lucas Scaramussa (Podemos), exibiu um vídeo no qual uma das pessoas aparece contando que “eles [prefeitura de Cabo Frio] falaram para a gente que teria um grupo de empresários daqui [de Linhares] para dar suporte para gente, que teria alojamento, lugar para trabalhar”.
A Prefeitura de Linhares abrigou o grupo e a área de assistência social deve ajudar a definir o destino das pessoas, se elas desejam continuar em Linhares ou voltar para Cabo Frio ou para suas cidades de origem.
“Repudiamos este ato desumano, e vamos atuar em colaboração com a polícia para investigar o caso e tomar as ações cabíveis contra os responsáveis”, disse Scaramussa.
Ainda segundo o delegado, não há, por ora, uma tipificação penal definida para o caso. “Nunca tinha passado por uma situação como essa e não conseguimos ainda uma tipificação penal. Mas vamos finalizar o procedimento e encaminhar o caso para a Defensoria Pública do Espírito Santo e do Rio de Janeiro e também para o Ministério Público dos dois estados, que podem eventualmente identificar improbidade administrativa”, explicou ele.
A subcoordenadora de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Cristiane Xavier, disse à Folha de S.Paulo nesta sexta que já foi aberto um procedimento para apurar o caso.
A prefeitura de Cabo Frio está sob o comando de Dr Serginho, do PL. Segundo a prefeitura, todo o processo seguiu “as normas legais e os princípios da política de assistência social”.
“Cada pessoa atendida assinou um relatório individual confirmando a solicitação voluntária, o que comprova que não houve qualquer imposição ou promessa de emprego ou moradia por parte da prefeitura. Além disso, foram fornecidos lanches durante a viagem, conforme o padrão de acolhimento adotado pelo município”, continuou a nota.
A Prefeitura de Cabo Frio disse ainda que segue acompanhando o caso, “mantendo diálogo com as autoridades de Linhares e reafirmando seu compromisso com a dignidade, a autonomia e os direitos das pessoas em situação de vulnerabilidade social”