THAÍSA OLIVEIRA, RAQUEL LOPES E JOÃO GABRIEL
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
A sugestão para “meter o cacete” nos indígenas que participariam de uma marcha em Brasília na quinta-feira (10) partiu de um funcionário do Itamaraty. A declaração ocorreu durante reunião organizada pelo governo do Distrito Federal no dia anterior para definir as medidas de segurança do ato relacionado ao ATL (Acampamento Terra Livre).
Na noite de quinta, os indígenas foram alvo de bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta por parte da Polícia Legislativa. O grupo se aproximava do Congresso Nacional.
A reunião das forças de segurança ocorreu de forma híbrida (virtual e presencial) na quarta (9). Quando se discutia a possibilidade de os manifestantes acessarem a Praça dos Três Poderes, um homem identificado como “iPhonedeca” disse, sem mostrar o rosto: “Deixa descer e mete o cacete se fizer bagunça, pronto”.
O homem foi identificado como Aldegundes Batista Miranda, conhecido como Aldegundes Deca. Segundo o Itamaraty, ele ocupava função administrativa na divisão de recursos logísticos. O ministério repudiou o ocorrido, afirmou ter demitido o servidor das funções nesta sexta-feira (11) e remetido o caso à corregedoria interna.
“O funcionário, integrante da carreira do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo, foi destituído, no mesmo dia, da função administrativa que ocupava no Setor de Proteção a Pessoas e ao Patrimonio (SEPRO) da Divisão de Recursos Logísticos deste ministério”, disse o Itamaraty.
“O caso foi remetido à Corregedoria do Ministério das Relações Exteriores para apuração de responsabilidade. O Ministério das Relações Exteriores deplora o ocorrido e esclarece que o funcionário não foi instruído a manifestar-se nos termos noticiados.”
Procurado pela Folha de S.Paulo nesta sexta, Aldegundes se apresentou como chefe de segurança do órgão. Ele negou ter usado a expressão “meter o cacete” em referência aos indígenas. O homem afirma ter informado seus superiores que teria uma consulta médica no horário da reunião, mas ainda assim foi incluído na videoconferência, de modo remoto.
Segundo seu relato, durante a reunião, um representante dos povos indígenas mencionou a intenção do grupo de se dirigir à praça dos Três Poderes, mesmo com autorização da Justiça apenas a uma delegação de 15 pessoas.
Naquele momento, ele teria comentado com uma pessoa que estava a seu lado -que não participava da reunião- que era favorável a manifestações no local desde que não houvesse bagunça. Caso contrário, era favorável a “meter o cacete”.
Ele afirmou que, no momento em que fez o comentário, não sabia que o microfone do celular -posicionado entre suas pernas- estava ligado.
“Por infelicidade, ele [o microfone] deve ter ligado. Mas em nenhum momento eu me referi aos indígenas, penso que qualquer pessoa que fizer baderna a polícia tem que meter o cacete para defender o patrimônio. Pode ser branco, preto, indígena, qualquer um”, disse.
Participantes da reunião relataram que o homem não se identificou e deixou a reunião logo após a intervenção. Na ata do encontro, à qual a Folha teve acesso, o participante online foi identificado apenas como “iPhonedeca”; no campo destinado ao órgão e unidade, consta apenas “MRE (Ministério das Relações Exteriores)”.
A pasta costuma ser convocada para reuniões de segurança do governo do Distrito Federal porque o Palácio do Itamaraty possui um túnel que conecta à praça dos Três Poderes -a abertura ou fechamento dele depende de autorização da Secretaria de Segurança Pública.
Questionada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública do DF afirmou que entrou em contato com o órgão de origem dele, e foi informada que as providências internas estavam sendo tomadas.
Durante o ato, indígenas foram alvo de bombas de gás lacrimogêneo lançadas pela Polícia Legislativa -ligada ao Congresso Nacional- antes de chegar à Praça dos Três Poderes.
Na tarde desta sexta, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) pediu a investigação do caso ao Ministério Público Federal.
“O que era uma ameaça, proferida até aquele momento por um suposto agente de segurança pública, se materializou na desproporcionalidade da atuação policial”, diz a entidade.
O Ministério dos Povos Indígenas enviou um ofício à Secretaria de Segurança Pública do DF pedindo apuração tanto dos responsáveis pela violência policial, quanto da fala.
A manifestação fez parte dos atos do ATL (Acampamento Terra Livre), que acontece desde segunda-feira (7) em Brasília. O acampamento reúne milhares de indígenas, de dezenas de povos diferentes, inclusive de outros países.
Os atos pressionam o governo Lula (PT) pela demarcação de terras, pressionam o STF (Supremo Tribunal Federal) contra o marco temporal e criticam o Congresso por flexibilizar a legislação de proteção às comunidades.