TAYGUARA RIBEIRO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
O acirramento político em torno da figura de Jair Bolsonaro (PL) é um assunto nacional e não atinge muito o cotidiano de Eldorado, embora o ex-presidente tenha crescido na cidade do interior paulista e ainda tenha familiares na localidade. Essa é a avaliação de Noel Castelo (Solidariedade), 56.
Ele foi eleito prefeito do município, no último domingo (6). É a primeira vez que uma cidade do estado de São Paulo será comandada por um quilombola. Antes dele, somente Cavalcante, em Goiás, já havia escolhido um quilombola para a prefeitura. Vilmar Kalunga (PSB) está em seu segundo mandato.
“Essa questão Bolsonaro é coisa nacional. Dentro de Eldorado a gente não vê essa guerra”, diz, sobre o município de 13 mil habitantes, segundo o Censo 2022.
“Se você quer saber, meu pai foi amigo do pai dele. Foi o Jair Bolsonaro que apareceu com essa mentalidade doida depois, mas isso é coisa dele.”
Noel foi vereador da cidade entre 2009 e 2012, pelo PSDB. Em 2024, ele conseguiu um novo mandato na Câmara Municipal. No último domingo, disputou a eleição suplementar que foi convocada após o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) cassar o registro de Elói Fouquet (PSDB).
Fouquet não assumiu o cargo, foi considerado inelegível devido a uma condenação por improbidade administrativa que, segundo o TSE, envolveu danos aos cofres públicos e enriquecimento de terceiros. A gestão da cidade estava interinamente com Noel Castelo.
Nascido no quilombo Abobral da Margem Esquerda, ele já liderou a associação de sua comunidade e movimentos contra barragens e pela titulação de territórios quilombolas.
Jair Bolsonaro tem um discurso contrário às comunidades. Em 2017, em um dos casos mais emblemáticos, atacou os quilombolas da cidade ao dizer que eles “não fazem absolutamente nada”.
“Eu fui em Eldorado paulista. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Nem para procriador eles servem mais”, disse em evento no clube Hebraica do Rio de Janeiro.
Na época, Noel rebateu a fala do ex-presidente. “Não existe nada disso que ele falou. Se ele viu alguém à toa, pode ser que ele tenha ido em algum fim de semana. E aí as pessoas descansam mesmo, é um direito.”
Agora no cargo de prefeito, Noel promete colocar sua gestão em prol da luta pelo reconhecimento das comunidades quilombolas e pela titulação dos territórios.
PERGUNTA – Bolsonaro tem um discurso contrário aos quilombos. Como avalia os desafios de se tornar o primeiro prefeito quilombola de São Paulo justamente na cidade na qual ele cresceu e ainda mantém familiares e correligionários?
NOEL CASTELO – Essa questão de Bolsonaro é uma coisa nacional, da política nacional. Dentro de Eldorado não vejo essa guerra.
Meu pai foi amigo do pai dele. Foi o Jair Bolsonaro que veio com essa mentalidade doida depois. Mas isso é coisa dele. Eu tive contato recente com o irmão do Bolsonaro, com o sobrinho, com a irmã. Eu converso com todo mundo.
Tem uma minoria que tem uma resistência contra mim. Uma elite branca. São bolsonaristas? Sim. Só que eles seriam contra mim mesmo que Bolsonaro não existisse. São aquelas pessoas que não querem ver uma pessoa preta em cargos de poder, de liderança.
P – A cidade está na região com o maior número de comunidades quilombolas de São Paulo. Como foi o apoio a sua candidatura?
NC – As principais lideranças quilombolas da cidade não me apoiaram. Fizeram campanha para a candidata do PT. Entre os quilombolas, quem me apoiou foram os mais jovens, com a mente mais aberta.
P – Por que não teve apoio das lideranças?
NC – Eles têm uma visão de que o único partido que defende os quilombolas é o PT. Que o PT é que representa a causa. Mas isso não é verdade. Estou colocando o meu mandato a serviço da luta quilombola.
Falei com o Geraldo Alckmin [vice-presidente] hoje. Estou tentando uma agenda. Semana que vem eu vou a Brasília. Vou falar com o Ministério da Igualdade Racial. A titulação de terras quilombolas precisa acontecer.
Inclusive, o governo Lula está ainda um pouco tímido nessa questão. Entendo que não é fácil, mas precisa avançar.
P – Vai tentar também o apoio do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) para acelerar a titulação de territórios quilombolas?
NC – Eu vou tentar também, mas ali eu sei que a resistência é maior. Quem sabe através do Paulinho [da Força, presidente do Solidariedade]. Ele tem uma boa relação com o governo estadual.
P – O sr. foi vereador pelo PSDB anteriormente e agora está no Solidariedade, partidos que estão mais no espectro da centro-direita. O sr. se considera uma pessoa de centro-direita?
NC – Eu me considero do povo. E sou antibolsonarista. A linha que ele tem em relação aos quilombolas, aos pretos, não cabe na minha linha.
P – E quais as prioridades da sua gestão em relação as comunidades quilombolas?
NC – Educação quilombola. Estou falando com as lideranças das comunidades para dar seguimento a essa missão. É uma demanda antiga, queremos implantar isso. E aperfeiçoar a saúde e saneamento básico para as comunidades. Aumentar a aquisição dos alimentos da agricultura familiar.
P – A cidade tem outros desafios também, além da questão dos quilombos. Quais seus planos?
NC – Eldorado é uma estância turística. Precisamos melhorar as vias de acesso e a infraestrutura dos pontos turísticos da região. Também quero aumentar o investimento na saúde. Os indicadores nessa área não estão bons.
RAIO-X | NOEL CASTELO, 56
Formado em pedagogia e geografia, nasceu e foi criado no quilombo Abobral da Margem Esquerdado no qual foi líder da associação comunitária. Vereador de Eldorado entre 2009 e 2012 pelo PSDB. Já ocupou o cargo de diretor de departamentos municipais de Educação, Esportes e Cultura. Em 2024, foi eleito vereador pela cidade. Assumiu o cargo de prefeito interinamente, após o pleito. Foi eleito prefeito de Eldorado em 6 de abril de 2025.