Observação do tema desastre climático nas eleições de Porto Alegre constata descompasso entre a campanha e a preocupação da população

Imagem: TSE JUS

O desastre climático que atingiu o Rio Grande do Sul e, especificamente a cidade de Porto Alegre, em maio de 2024,  e como o tema repercute nas eleições municipais na capital gaúcha é o foco de um estudo realizado pelo Observatório de Jornalismo Ambiental e Observatório de Comunicação Pública (OBCOMP) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O tema que mobilizou a agenda pública entre os meses de maio e junho é importante pela sua magnitude expressa nos números de atingidos. Em Porto Alegre, segundo dados da prefeitura, foram 160 mil e 210 pessoas atingidas; 39 mil e 422 edificações; dez bairros (Sarandi, Menino Deus, Farrapos, Humaitá, Cidade Baixa, Floresta, Ponta Grossa, Centro Histórico,São Geraldo e Arquipélago). Mais de 29 mil serviços e 5 mil 496 estabelecimentos industriais tiveram suas atividades interrompidas. Os dados indicam, ainda, que 31 unidades entre hospitais, farmácias populares e clínicas da família  e 160 escolas foram impactadas. O abastecimento de água foi suspenso para cerca de 70% da população e mais de 100 mil imóveis ficaram sem energia elétrica.

As inundações representaram a maior catástrofe climática já registrada em Porto Alegre. O nível do lago Guaíba atingiu 5,33 metros, ultrapassando a capacidade do sistema municipal de proteção contra enchentes. A inundação foi relacionada às mudanças climáticas, que tendem a intensificar e aumentar a frequência de eventos climáticos extremos. Uma pesquisa divulgada em junho pelo centro de estudos World Weather Attribution indicou que o aquecimento global duplicou a probabilidade de chuvas intensas no Rio Grande do Sul. Além disso, o fenômeno climático El Niño, que terminou em meados de 2024, também teve impacto nesse evento. No entanto, diversos especialistas apontaram falhas na manutenção do sistema anti cheias que protege Porto Alegre.

Considerando que 2024 é ano de eleição municipal e que a crise do clima já é algo presente no cotidiano das cidades brasileiras, decidimos observar durante a campanha eleitoral como o tema das enchentes – de modo específico – e a crise do clima – de maneira mais ampla – aparece como pauta na agenda pública, seja no discurso dos candidatos ou na cobertura jornalística. Juntamos os conhecimentos de pesquisadores e estudantes da Faculdade de Biblioteconomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Fabico/UFRGS) integrantes de dois observatórios, o de Comunicação Pública (OBCOMP) e o de Jornalismo Ambiental, para realizar um estudo durante as eleições.

O estudo se justifica tanto pelos dados já elencados neste texto, quanto pelo fato de ser a principal preocupação da população de Porto Alegre, de acordo com os dados da pesquisa realizada pelo Instituto Quaest, divulgada em 27 de agosto de 2024, em que se questionou aos eleitores “quais são os problemas mais graves da cidade” e o tema das enchentes apareceu em primeiro lugar com 33%, como mostra o gráfico abaixo. Estamos realizando a observação divididos em duas equipes de pesquisadores de acordo com o material de coleta e análise, ou seja, um grupo do Observatório de Comunicação Pública acompanha a propaganda eleitoral no Horário Gratuito de Propaganda  Eleitoral (HGPE) e a equipe do Observatório de Jornalismo Ambiental observa a cobertura jornalística da GZH, Correio do Povo, Matinal Jornalismo e Sul21. Além das entrevistas concedidas pelos oito candidatos à prefeitura de Porto Alegre ao Jornal do Almoço, da RBSTV, ocorridas entre os dias 23 e 27 de setembro.

Uma dificuldade na coleta da propaganda eleitoral do HGPE é o fato de não haver nenhuma obrigação dos candidatos de manter um repositório público da propaganda eleitoral, desse modo, tivemos que buscar os programas veiculados em vários canais além dos perfis oficiais dos candidatos em redes sociais. Como não há nenhuma normatização de disponibilização posterior dos programas levados ao ar constatamos que não houve regularidade e alguns programas não foram postados em canais de mídias sociais. As plataformas utilizadas para a coleta do HGPE foram o YouTube e o reels do Instagram.

A observação dos programas do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) do primeiro turno dos candidatos à prefeitura de Porto Alegre mostrou que o problema público do desastre climático não foi tema predominante nas campanhas. No primeiro turno, entre 30/08/2024 e 03/10/2024, houve 30 dias de HGPE (excluindo-se os domingos em que não há programas eleitorais). Como foram três os candidatos à prefeitura com direito ao horário gratuito, o universo de observação foi de 90 programas, um de cada candidato em cada um dos 30 dias. A amostra de análise, no entanto, foi composta por 86 programas, pois não foi possível ter acesso aos programas veiculados nos dias 06/09, 28/09, 29/09 e 01/10 da candidata Juliana Brizola.

Dos 86 programas analisados, em 44 deles, mais da metade, não há menção às enchentes, seja em relação a aspectos de causas, enfrentamento, consequências ou prevenção. O candidato que abordou o tema em menos programas foi Sebastião Melo, 11 do total de 30. O tema foi tratado em mais programas pela candidata Maria do Rosário, 19 do total de 30. A candidata Juliana Brizola incluiu o assunto em 12 dos seus 26 programas analisados. Os dados completos da observação, que vai se estender pelo segundo turno, permitirão também quantificar o tempo dedicado ao tema, a abordagem das causas, efeitos e soluções para o desastre climático, além de aspectos estratégicos da performance de cada candidato sobre o assunto. Por ora, os dados prévios permitem indicar um descompasso entre a preocupação da população expressa na pesquisa Quaest e a escolha estratégica de campanhas para a abordagem do tema das enchentes. É possível afirmar que no primeiro turno das eleições a intensidade da presença do tema da enchente na propaganda eleitoral não refletiu a força avassaladora de sua presença sobre a cidade.

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Sara Feitosa é professora de Jornalismo e Publicidade e Propaganda na Unipampa, pesquisadora do NUCOP e coordenadora de Notícias do OBCOMP.

Fiorenza Carnielli é professora de Comunicação na UFRGS, pesquisadora do NUCOP e coordenadora executiva do OBCOMP.

Ana Noronha é graduanda de Relações Públicas na UFRGS e observadora voluntária do OBCOMP.

Ângelo Rockenbach é graduando de jornalismo da UFRGS e observador voluntário do OBCOMP.

Marihá Maris Maria é graduanda de jornalismo da UFRGS e observadora voluntária do OBCOMP.

Matheus Oliveira é graduando de Relações Públicas na UFRGS e observador voluntário do OBCOMP.

Este texto foi publicado originalmente no Observatório da Comunicação (OBCOM) e republicado pelo Observatório de Jornalismo Ambiental (OJA). Ambos os observatórios estão atuando em parceria durante as Eleições Municipais de 2024, vigilantes na cobertura e análise dos acontecimentos.

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