Por Nathalie Nunes Freire Alves – CRP 01/14010
A coluna desta semana analisa o conceito de Teoria da Mente (ToM) a partir de duas das abordagens psicológicas mais utilizadas e baseadas em evidências: a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e a Análise do Comportamento (AC). Com base na leitura do livro Teoria da Mente, dos autores Leonardo Caixeta, Marcelo Caixeta e Tiago Figueiredo, são discutidas as semelhanças e diferenças entre essas abordagens no que se refere aos processos mentais, à aprendizagem social e à explicação do comportamento alheio. Também são exploradas as aplicações clínicas dessas perspectivas, especialmente em contextos psicoterapêuticos e no tratamento de transtornos que envolvem déficits sociais, como o autismo e a esquizofrenia.
A Teoria da Mente refere-se à capacidade de atribuir estados mentais — como crenças, intenções e desejos — a si mesmo e aos outros, permitindo prever e interpretar comportamentos. Esse conceito é central para o desenvolvimento da cognição social e tem implicações importantes na psicologia clínica, sobretudo nos casos em que há prejuízos nas habilidades sociais e empáticas.
De acordo com os autores, a ToM envolve compreender que outras pessoas têm pensamentos, crenças e intenções distintas das próprias. Essa habilidade, que surge na infância, é essencial para a empatia, o uso da linguagem e a interação social. No campo clínico, déficits nessa capacidade são observados em condições como o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e a esquizofrenia, afetando significativamente o funcionamento interpessoal e emocional dos indivíduos.
Terapia Cognitivo-Comportamental e Teoria da Mente
De forma resumida, a TCC reconhece os estados mentais internos — como pensamentos automáticos, crenças e interpretações — como determinantes do comportamento e das emoções. Por isso, há grande convergência entre a TCC e a Teoria da Mente. A reestruturação de pensamentos disfuncionais, proposta pela TCC, depende diretamente da capacidade de identificar e interpretar estados mentais próprios e alheios. Na prática clínica, a TCC utiliza intervenções específicas para desenvolver empatia e habilidades de perspectiva social, com bons resultados especialmente em casos de ansiedade social, TEA e depressão.
Análise do Comportamento e Teoria da Mente
Já a Análise do Comportamento (AC), baseada na filosofia do Behaviorismo Radical, segue outro caminho. Diferente da TCC, essa abordagem não utiliza conceitos cognitivos ou estados mentais como causas ou explicações para o comportamento. Para a AC, expressões como “pensamentos” ou “emoções” fazem parte da descrição funcional dos comportamentos — que podem ser públicos (observáveis) ou privados (acessíveis apenas ao próprio indivíduo).
Na perspectiva do Behaviorismo Radical, atribuir causas aos estados mentais, como propõe a ToM, não atende aos critérios pragmáticos da ciência, já que não contribui de forma útil para a previsão e o controle do comportamento. Ao invés disso, a AC propõe compreender os comportamentos a partir da análise cuidadosa de suas interações com o ambiente. Por exemplo, em vez de afirmar que alguém “chorou porque estava triste”, o analista do comportamento busca entender as condições que favoreceram os comportamentos de chorar, isolar-se, comer em excesso — bem como os próprios sentimentos envolvidos, entendidos aqui também como comportamentos. Assim, a tristeza não é vista como causa, mas como parte do conjunto de comportamentos que podem ser analisados funcionalmente.
A AC propõe que os mesmos princípios de descrição funcional utilizados para os comportamentos públicos podem ser aplicados aos comportamentos privados — a diferença entre eles está apenas na acessibilidade, e não na natureza. Nesse sentido, a Teoria da Mente pode ser interpretada, dentro da Análise do Comportamento, como um repertório verbal — ou seja, um comportamento verbal que descreve eventos privados. Esse repertório é moldado ao longo da vida por influências filogenéticas, ontogenéticas e culturais.
Já a Análise do Comportamento Aplicada (ABA, do inglês Applied Behavior Analysis) tem como objetivo produzir conhecimento e desenvolver tecnologias com aplicação prática em diversas áreas da psicologia. No contexto clínico, a ABA busca promover e aperfeiçoar repertórios comportamentais socialmente relevantes, além de identificar os principais determinantes das mudanças e da manutenção dos comportamentos. No Brasil, a sigla “ABA” se tornou amplamente associada ao tratamento de pessoas diagnosticadas com TEA, uma vez que as intervenções baseadas nessa abordagem estão entre as que possuem maior evidência científica de eficácia para esse transtorno.
Convergências e divergências
Ambas as abordagens reconhecem a importância da interação social na modelagem do comportamento. TCC e AC empregam intervenções clínicas voltadas ao desenvolvimento de habilidades sociais, empatia e ajustamento interpessoal. No entanto, divergem na forma como explicam o comportamento: enquanto a TCC considera cognições como causas, a AC foca na análise funcional das variáveis de controle — ou seja, nas condições ambientais que influenciam a ocorrência e manutenção de determinado comportamento.
A Teoria da Mente, nesse contexto, é uma ferramenta conceitual relevante para a psicologia clínica. A TCC contribui com estratégias que visam modificar pensamentos e crenças disfuncionais, promovendo empatia e ajustamento social. A ABA, por sua vez, oferece métodos baseados na análise funcional do comportamento, contribuindo para o ensino e treino de habilidades sociais — verbais ou não verbais — como autocuidado, autodescrição e a modificação de comportamentos estereotipados ou autolesivos.
A integração entre essas duas perspectivas pode enriquecer a prática clínica, proporcionando intervenções mais eficazes para indivíduos com dificuldades de cognição social.
Até a próxima!
Referências
– Caixeta, Marcelo e Leonardo & Figueiredo, Tiago (2024). Teoria da Mente. – Beck, A. T. (1997). Terapia Cognitiva para Transtornos de Ansiedade. – Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior.
– Hayes, S. C., Barnes-Holmes, D., & Roche, B. (2001). Relational Frame Theory.