Projeto prioriza economia em vez da saúde pública

Contrariando recomendações médicas e estudos científicos, tramita na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) um projeto que visa autorizar o funcionamento de câmaras de bronzeamento artificial em território catarinense (Lei 410/2024). De autoria da deputada estadual Paulinha, a proposição assegura “que os estabelecimentos que oferecem esse serviço operem em conformidade com normas de segurança e saúde”.

O texto afirma que com as condições impostas para a operação do ofício, os consumidores estarão protegidos dos potenciais riscos à saúde associados ao uso inadequado desses equipamentos. A defesa da regulamentação argumenta que ela “promove a prevenção de alternativas ilegais, que são mais perigosas por não seguirem normas de segurança”.

Informações gerais sobre o projeto de lei da deputada estadual Paulinha. Imagem: Reprodução/Site Alesc/Internet

O que dizem os profissionais

No entanto, profissionais da saúde, como a dermatologista Ana Carolina Búrigo Lima, apontam que o problema vai além da regulamentação dos equipamentos. “Não há qualquer vantagem no uso de bronzeamento artificial, mesmo que essa exposição seja controlada. Justamente porque sabemos que não existe forma segura de bronzear a pele”, retrata.

A profissional explica que todo bronzeamento, seja de câmera artificial ou oriunda da exposição solar, lesa o DNA celular e pode aumentar o risco de câncer. No caso de câmeras de bronzeamento artificial, ela alerta que o risco é ainda maior, principalmente quando se fala de melanoma – câncer de pele que se origina nas células produtoras de melanina.

“A comunidade médica, principalmente os médicos dermatologistas, que acabam estudando essa interação da pele com a radiação ultravioleta de uma maneira mais intensa, somos totalmente contra essa lei”, afirma.

Projeto contraria determinação da OMS

Em 2009, a Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (IARC-International Agency for Research on Cancer), vinculada à Organização Mundial da Saúde (OMS), concluiu que o uso de câmaras de bronzeamento artificial com lâmpadas ultravioleta (UV) é cancerígeno para humanos.

Baseada nesse estudo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou a Resolução RDC n. 56/2009 proibindo o uso e a comercialização desses equipamentos para fins estéticos no Brasil. A decisão contou com apoio integral da Sociedade Brasileira de Dermatologia e do Instituto Nacional de Câncer (INCA).

Embora haja diversas evidências científicas que desaprovem as câmaras de bronzeamento artificial, o projeto tenta sustentar a liberação delas em solo catarinense. A proposta ainda menciona expor, aos eventuais usuários, os malefícios da utilização dos equipamentos a fim de responsabilizá-los sobre os efeitos colaterais.

Confira o que dizem os parágrafos três e quarto do artigo 3°:

Ao pontuar especialmente esse trecho do texto, a diretora do Programa de Proteção e Defesa do Consumidor de Santa Catarina (Procon SC), delegada Michele Alves, enfatiza a posição contrária à prática estética. Ela cita dois argumentos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) para embasar a fala, além da questão médica.

Delegada Michele Alves, diretora do Procon de Santa Catarina. Foto: Divulgação/Procon SC

Segundo Alves, muitas clínicas de estética não informam aos consumidores sobre os riscos causados pela exposição aos raios ultravioletas (UV), como prevê o CDC. E mesmo que isso acontecesse, o artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor garante “proteção do interesse e das necessidades do consumidor, sua dignidade, saúde e segurança”. Portanto, um produto que coloca em risco a saúde do consumidor é contrário à legislação consumerista.

Posicionamento do Conselho Regional de Medicina do Estado de Santa Catarina

O Conselho Regional de Medicina do Estado de Santa Catarina (CRM-SC) reforça o posicionamento da Anvisa ressaltando que a proibição se trata de uma “decisão embasada em evidências científicas que demonstram os riscos associados à utilização dessas câmaras e a regulamentação rigorosa é vista como uma ação necessária para reduzir a exposição a esses dispositivos”.

Impacto econômico

A justificativa do projeto de lei ainda sugere que a autorização das câmaras de bronzeamento traz benefícios econômicos. O texto aponta a fabricação dos equipamentos como um fator fomentador da geração de empregos para o setor de estética e beleza, contribuindo para a economia.

Câmara de bronzeamento artificial. Imagem: Reprodução/iStock

O CRM-SC, por sua vez, sinalizou que o tratamento de câncer de pele e de suas complicações consome recursos do Sistema Único de Saúde (SUS), sobrecarregando a rede de saúde pública. A autarquia também ressalta que, muitas vezes, os usuários das câmaras de bronzeamento passam por tratamentos dolorosos e invasivos.

“A proibição do uso das câmaras de bronzeamento artificial é uma decisão que não apenas protege a saúde individual, mas também reflete um compromisso com a saúde pública e a qualidade de vida da população brasileira”, reitera.

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