Tribunal de SP abre apuração administrativa contra juiz acusado de usar nome falso por 45 anos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O Tribunal de Justiça de São Paulo abriu um procedimento de investigação contra Edward Albert Lancelot Dodd-Canterbury Caterham Wickfield, juiz aposentado que é réu pela acusação de falsidade ideológica e uso de documento falso e que teria usado o nome inglês por 45 anos. A abertura da investigação administrativa ocorre após a corte anunciar que suspendeu os pagamentos ao magistrado.

Segundo a 116ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital, o nome verdadeiro do juiz aposentado é José Eduardo Franco dos Reis. Uma denúncia da Promotoria afirma que ele criou uma carteira de identidade falsa em 1980, que só foi descoberta no ano passado, quando ele tentou obter a segunda via do documento numa unidade do Poupatempo na Sé, no centro da capital.

A Corregedoria do TJSP agora vai investigar se o juiz aposentado cometeu “eventual falta funcional em razão do uso de nome e identidade falsos no exercício da magistratur”, informou o tribunal nesta segunda-feira (7). A informação foi antecipada pelo jornal O Estado de S.Paulo e confirmada pela Folha de S.Paulo.

Inicialmente, o tribunal havia informado que não havia aberto procedimento administrativo por se tratar de um juiz aposentado. Depois, na noite da última sexta-feira (4), o presidente do tribunal, Fernando Antonio Torres Garcia, anunciou a suspensão de quaisquer pagamentos a que o juiz aposentado teria direito de receber após ele ter se tornado réu pelos crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso.

Aposentado em abril de 2018, o magistrado recebe vencimentos do Tribunal de Justiça pagos com o erário. Em fevereiro, o tribunal pagou a ele o valor bruto de R$ 166.413,94. Em dezembro e janeiro, ele recebeu R$ 187.427 e R$ 155.621, respectivamente.

Até a sexta-feira, Reis ainda não havia constituído defesa no processo. A Folha de S.Paulo entrou em contato por email e telefone com um advogado que representa o juiz aposentado em outro processo, sem relação com a denúncia, mas não recebeu resposta. O caso corre em segredo de Justiça.

De acordo com a denúncia, em julho de 1973 Reis recebeu sua primeira cédula de identidade em Águas da Prata, no interior paulista. Para isso, apresentou sua certidão de nascimento original e se identificou como filho de Vitalina Franco dos Reis e José dos Reis -segundo a Promotoria, sua filiação verdadeira.

Em 1980, segundo a denúncia, apresentou-se ao Instituto de Identificação estadual como filho de Richard Lancelot Dodd Cantebury Caterham Wickfield e Anne Marie Dubois Vincent Wickfield. Para isso levou cópias de um certificado de dispensa do Exército Brasileiro, um título de eleitor, uma carteira de trabalho uma carteira de servidor do Ministério Público do Trabalho.

À época, esses eram documentos facilmente falsificáveis. Ele conseguiu se matricular no curso de direito do Largo São Francisco, da USP, e ser aprovado num concurso de juiz com o nome inglês, com a qual viveu por toda a carreira.

Em depoimento à polícia, Reis declarou que Edward Wickfield é seu irmão gêmeo, que teria sido doado a outra família durante a infância. Reis afirmou que só conheceu o irmão na década de 1980, após a morte de seu pai. Segundo ele, Wickfield era professor e retornou à Inglaterra após a aposentadoria.

Apresentando-se à autoridade como artesão, ele alegou que foi ao Poupatempo da Sé para renovar o RG a pedido do suposto irmão gêmeo.

Reis também forneceu à polícia um endereço no bairro de West Kensington, em Londres, e um número de telefone para contato. A reportagem da Folha de S.Paulo verificou que se trata de um número de telefone inválido.

Reis fez uma viagem ao Reino Unido após o início do inquérito que resultou na denúncia contra ele, segundo uma autoridade a par das investigações. Ele já teria retornado ao Brasil, segundo essa autoridade, mas não foi encontrado na última vez em que foi procurado no endereço que forneceu à Polícia Civil.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.