O Campeonato Brasileiro mal começou, e a velha sombra da manipulação de resultados já paira sobre os gramados. O primeiro alvo é Ênio, atacante do Juventude, acusado de ter recebido um cartão amarelo de forma suspeita na estreia do time contra o Vitória. Segundo um relatório da Associação Internacional de Integridade nas Apostas Esportivas (Ibia), ao menos 111 usuários apostaram especificamente nesse lance, movimentando cerca de R$ 56,7 mil em casas de apostas — a maioria com contas recém-criadas.
O documento, encaminhado à CBF e a outras entidades como o Ministério Público e o STJD, levanta uma série de indícios de armação. Muitos dos apostadores fizeram suas primeiras apostas exatamente no momento em que Ênio foi advertido — aos 36 minutos do primeiro tempo, por reclamação, segundo a súmula do árbitro Paulo Cesar Zanovelli.
Entre os envolvidos, ao menos três são atletas profissionais, o que fere diretamente regulamentos da FIFA, da CBF e a legislação brasileira. Cinco operadoras de apostas relataram movimentações anormais. Uma delas detectou 22 usuários com comportamento atípico, dos quais 12 localizados no Brasil, que apostaram R$ 27,6 mil e lucraram cerca de R$ 40 mil. Outras duas plataformas revelaram apostas suspeitas de usuários novatos que tentaram, inclusive, superar os limites permitidos.
O Juventude, alertado pela investigação, afastou Ênio às vésperas do confronto contra o Botafogo, no último sábado. O técnico Fábio Matias confirmou que a decisão foi tomada após reunião com a diretoria, que tomou ciência do caso na quinta-feira anterior ao jogo.
A semelhança com casos que abalaram a seleção brasileira é assustadora. Lucas Paquetá, do West Ham, e Luiz Henrique, recém-contratado pelo Botafogo, também foram implicados em investigações internacionais por possíveis manipulações ligadas a cartões e apostas. O modus operandi parece o mesmo: jogadores recebem advertências em lances aparentemente banais, enquanto um grupo coordenado de apostadores lucra com a previsão precisa do evento.
A CBF, como de costume, optou por não se pronunciar. A Sportradar, empresa contratada pela entidade para monitorar apostas suspeitas, também se manteve em silêncio. Já os representantes de Ênio não responderam aos contatos da reportagem.
O que assusta não é só o crime em si — é a reincidência, a ousadia, a facilidade com que esquemas desse tipo continuam sendo arquitetados no futebol brasileiro. O Brasileirão 2024 ainda está no seu primeiro capítulo, e já protagoniza um escândalo que pode manchar todo o campeonato.
Enquanto não houver punições exemplares e uma fiscalização mais rigorosa, os conluios vão seguir em campo, manobrando resultados e envergonhando o esporte.