Como a alta do cacau tem afetado os produtores do DF nesta Páscoa

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Com a Páscoa se aproximando, os ovos de chocolate já ocupam as prateleiras, mas o aumento no preço do cacau, ingrediente essencial para a produção dessas iguarias, promete pesar no bolso dos consumidores. O chocolate em barra e os bombons registraram uma variação de quase 17% nos últimos 12 meses, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O Jornal de Brasília conversou com confeiteiros e produtores locais para entender como essa alta tem impactado a produção dos tradicionais chocolates pascais.

A confeiteira Maria Helena Santiago, que trabalha com encomendas e doces à pronta entrega na Ceilândia Sul, precisou diversificar seu cardápio, investindo em produtos onde o cacau não é a principal matéria-prima. “A maioria das pessoas foi pega de surpresa com o aumento do preço do cacau. Muitos clientes sentiram o impacto, mas procurei ser transparente sobre a situação”, conta. Para manter a clientela, Maria Helena também tem buscado fornecedores com preços mais acessíveis e investido em versões menores dos produtos.

Mesmo com os desafios, a confeiteira segue inovando para atrair o público. “Produtos virais são essenciais. A Barra Dubai, o Ovo Dubai e o Ovo Franuí foram tendência em 2024 e continuam fortes em 2025. O ovo casca brownie, por exemplo, nunca sai de moda”, afirma.

Marina Ayumi Silva Iwata, proprietária da Ayumi Doces do Bem, na Asa Norte, também sentiu o impacto da alta do cacau. “Afeta toda a linha de produção, do fornecedor ao consumidor final”, explica. Para não repassar o aumento diretamente, a empresária optou por absorver os custos, o que reduziu seu lucro. “Nosso desafio agora é ampliar as vendas para equilibrar a receita. Criamos alternativas para estimular o consumo de produtos sem cacau, mantendo a experiência do cliente com atendimento diferenciado e embalagens personalizadas.”

Apesar da alta nos insumos, Marina manteve a receita original dos produtos. “Trabalhamos com chocolate vegano, que também encareceu bastante, mas não abrimos mão da qualidade”, destaca. Segundo ela, muitas confeitarias estão reduzindo a quantidade de chocolate nas receitas, investindo em massas, bolos e farinhas para compensar.

Amanda Figueiredo, da Mandiê Doceria, conta que a alta do cacau também afetou a disponibilidade de chocolates com alto teor de cacau no mercado. “Tivemos que antecipar compras para garantir estoque, o que comprometeu nosso caixa”, diz. Para minimizar os impactos, ela adotou um modelo de repasse parcial dos custos. “Absorvemos 50% do aumento e repassamos apenas metade ao cliente. Diminuir a qualidade nunca foi opção.”

Uma das estratégias adotadas foi a criação de versões menores dos produtos, como as degustações de ovos de Páscoa. “As confeitarias estão investindo em lascas de chocolate, biscoitos e itens temáticos que mantenham o espírito pascal sem depender tanto do cacau”, analisa Amanda.

A produção de cacau

A alta no preço do cacau é resultado de uma combinação de fatores globais. Anna Paula Losi, presidente executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), explica que a produção está concentrada na África, com Costa do Marfim e Gana respondendo por mais de 50% da oferta mundial. Em 2024, um déficit de 500 mil toneladas entre oferta e demanda agravou o cenário.

No Brasil, a produção anual é de aproximadamente 200 mil toneladas, enquanto o consumo chega a 230 mil toneladas, exigindo importações para suprir a diferença. “Com os preços do cacau elevados nas bolsas internacionais e um câmbio desfavorável, o impacto no mercado brasileiro foi inevitável”, explica Anna Paula. A alta do insumo afetou principalmente a indústria alimentícia, que depende de derivados como licor, manteiga e pó de cacau para a fabricação de chocolates e biscoitos.

A indústria tem adotado estratégias para mitigar o impacto, como modernização de processos e ajustes na composição dos produtos. No entanto, fatores climáticos, como chuvas irregulares e seca, além da mineração ilegal, seguem desafiando a produção de cacau.

Meios para melhorar a produtividade

Apesar dos desafios, a produção de cacau no Brasil cresceu 18% em 2024. “Estamos investindo na produtividade nas regiões produtoras, como Bahia, Pará, Espírito Santo e Rondônia, onde a média de produção ainda é baixa, cerca de 350 kg por hectare”, explica Anna Paula. O objetivo é dobrar esse número para 700 a 800 kg por hectare, além de expandir a cacauicultura para novas regiões, incluindo o Distrito Federal.

Produto regional

No DF, Marlene Marques, produtora rural à frente do Cacau Candango, cultiva um hectare de cacau em Ponte Alta e também investe no turismo rural. Mesmo com a produção própria, ainda depende da importação do insumo e sentiu o impacto da alta nos preços. “A escassez é geral, e acabamos reféns dessa mudança”, diz.

Apesar disso, Marlene vê oportunidades na expansão da produção local. “Estamos plantando e, em breve, poderemos reduzir a dependência de cacau de fora”, afirma. Sua marca é pioneira na produção de cacau no DF e já conquistou reconhecimento. “No início, muitos desacreditaram, mas hoje somos referência.”

Durante a Páscoa, Marlene percebe um aumento na demanda, mesmo com o impacto dos preços. “O valor da nossa história e experiência agrega à marca. Não vendemos apenas chocolate, vendemos um conceito.” Seus produtos sustentáveis incentivam um consumo mais consciente e reforçam a identidade local.

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