Bella Ramsey, atriz famosa por dar vida à personagem Ellie do blockbuster The Last Of Us, produção original da Max, falou à Vogue britânica sobre ser uma pessoa autista. Publicada em março, a entrevista detalha o processo de auto descoberta da jovem de 21 anos.
“Enquanto filmava a primeira temporada da série no Canadá, um membro da equipe, que tem uma filha autista, cogitou que Ramsey também fosse. Isso a enviou em uma jornada que acabou em uma avaliação psiquiátrica formal e um diagnóstico”, afirma a reportagem.

Indicada ao Emmy, Ramsey garante que receber o diagnóstico foi libertador. Quando pensa nos anos anteriores à descoberta, ela se descreve em dois adjetivos: esquisita e solitária. Além das dificuldades sociais comuns ao espectro autista, ela também relatou ter uma “hiperconsciência dolorosa das microexpressões e da linguagem corporal de outras pessoas”.
Famosos no espectro
Em 2 de abril é celebrado o Dia Mundial da Conscientização do Autismo. A data foi determinada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2007 para conscientizar a população e diminuir o preconceito contra pessoas autistas.
O acesso à informação e o avanço das ferramentas avaliadoras do Transtorno do Espectro Autista trouxeram iluminação para o autoconhecimento de diversas figuras públicas que, assim como Bella Ramsey, descobriram-se autistas após a infância, após um período marcado por incertezas.
Conheça alguns dos célebres nomes que tornaram o laudo público.
Sia

Em 2023, a cantora Sia, mundialmente conhecida pelo sucesso ‘Chandelier’, revelou o diagnóstico de autismo durante participação no podcast ‘Rob has a Podcast’. Embora não tenha falado explicitamente sobre o período em que recebeu o laudo, deu a entender que a descoberta foi tardia: “por 45 anos eu pensei ‘preciso colocar a minha roupagem humana’, e apenas nos últimos dois anos eu me tornei eu mesma.”
A australiana afirma que o diagnóstico a ajuda a viver melhor.
Anthony Hopkins

O ator é um rosto conhecido das gerações mais velhas ou dos fãs dos clássicos. Hopkins interpretou Hannibal Lecter em ‘O silêncio dos inocentes’, filme que venceu a categoria de Melhor Filme do Oscar de 1992.
Anthony foi diagnosticado com o transtorno do espectro autista em 2014, aos 77 anos, mas só o revelou em 2017.
O ator tem uma visão mais otimista quanto a ser alguém com o neurodesenvolvimento atípico: “eu definitivamente olho para as pessoas de modo diferente. Eu gosto de desconstruir, de destrinchar o personagem”, comentou sobre o impacto do transtorno na carreira artística.
Letícia Sabatella

A atriz, que está no nível 1 do espectro, recebeu o diagnóstico aos 52 anos. Letícia falou sobre em entrevista ao Fantástico em 2023, quando relembrou momentos difíceis da infância.
“Quando eu tinha nove anos, todas as meninas do colégio pararam de falar comigo por causa do meu jeito, e eu não entendia por quê”, contou.
Ela também relatou ter hipersensibilidade sensorial auditiva, característica comum do autismo. “Parece uma agressão”, disse sobre o efeito de barulhos altos sobre si.
Para Sabatella, assim como Ramsey descreve, a descoberta foi libertadora e deu início a uma jornada íntima. “Eu ainda estou nesse flerte de buscar a melhor compreensão sem desespero algum em relação a isso.”
Daryl Hannah

Daryl, de 64 anos, foi diagnosticada ainda na infância. Contudo, a revelação causou distúrbios devido ao preconceito e à falta de conhecimento característicos da época em que obteve o laudo.
Em entrevista à People Magazine, a atriz da franquia ‘Kill Bill’ contou que os médicos desejavam institucionalizá-la. A mãe da atriz, porém, não acatou a decisão.
Hannah também confessou que se recusou a participar de talk shows e comparecer às premieres de seus próprios filmes porque se sentia muito assustada.
E embora alguns desses medos ainda persistam, ela afirma não mais permitir abalar-se por eles.
Diagnóstico e características do autismo

O espectro autista está localizado no quadro de transtornos do neurodesenvolvimento, definido pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais como um grupo de de condições com início no momento do desenvolvimento. As principais características:
- Limitações na aprendizagem;
- Prejuízos globais em habilidades sociais ou à inteligência, com impacto no funcionamento pessoal, social, acadêmico ou profissional.
Segundo Roberto Giugliani, geneticista e coordenador de Doenças Raras da Dasa Genômica, o autismo é uma condição complexa e multifatorial, cujo diagnóstico envolve várias abordagens. “O transtorno é caracterizado por dificuldades na interação social, padrões restritos de comportamento, interesses e atividades”, explica. Também é preciso que os sintomas afetem significativamente o funcionamento diário do indivíduo.
O médico destrinchou as etapas que levam ao laudo, processo que costuma exigir a avaliação de uma equipe multidisciplinar composta por psiquiatra, psicólogo, terapeutas ocupacionais e pediatras, nos casos infantis.
“Na avaliação são realizadas entrevistas com os pais ou com o paciente e são aplicados questionários e escalas de avaliação, além da observação direta do indivíduo”, conta.
Giugliani conta que as pesquisas indicam forte básica genética na formação do transtorno e reafirma a importância da realização de exames genéticos no processo de investigação.
Conforme o geneticista, há mais riscos se houver a presença de histórico familiar, ou de alterações físicas associadas ao quadro de autismo.
“É fundamental considerar, no diagnóstico diferencial, condições que apresentem sintomas semelhantes, como transtornos de ansiedade, de linguagem, de aprendizagem e do neurodesenvolvimento”, afirma quanto à possibilidade de um diagnóstico equivocado.
Direitos garantidos pela legislação brasileira
“Quando uma pessoa recebe diagnóstico, a família inteira é impactada. Direito não é vantagem ou benefício para ser utilizado em detrimento de outros; é qualidade de vida e dignidade”, diz Carla Borges Bertin, advogada especialista em Direito e Inclusão da Pessoa com Deficiência.
Contudo, a concretização dessas ações é turbulenta. Bertin explica que apesar de os direitos serem previstos, são muitas as famílias que não conseguem acessá-lo. Para a especialista, manter esses grupos informados é um dos meios meios possíveis para assegurar as garantias. “Quando uma família não consegue acessar o direito de forma administrativa, é preciso buscar um advogado para exigi-lo em juízo”, afirma.
Quanto às normas de defesa à pessoa autista, a Lei Berenice Piana é a mais importante, explica. A Lei 12.764/2012 institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e reconhece o TEA como deficiência, ato que garante direitos como acesso à saúde, educação e assistência social.
Como requerer os benefícios ou direitos
A advogada afirma que é necessário verificar as regras de cada esfera governamental, visto que elas podem variar. Um dos principais benefícios disponíveis é o Benefício de Prestação Continuada (BPC), também chamado de LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social), destinado a famílias de baixa renda.
Esse é o único benefício pago em dinheiro e pode ser solicitado pelo INSS ou pelo telefone 135. Para acessá-lo, é obrigatório ter o Cadastro Único atualizado a cada dois anos. “Importante ressaltar que o BPC não é uma aposentadoria nem um benefício vitalício, mas um auxílio social concedido anualmente para pessoas com deficiência que se enquadram nos critérios estabelecidos”, informa.
Atendimento acessível para autistas em São Paulo
O programa TEAcolher, desenvolvido pelo Fleury Medicina e Saúde em parceria com a Unifesp, tem o objetivo de oferecer atendimento acessível e adaptado a pacientes no Transtorno do Espectro Autista (TEA).
A iniciativa inclui capacitação especializada para médicos e colaboradores, além de ajustes no ambiente das unidades, como comunicação visual para reduzir a ansiedade dos pacientes. Os responsáveis também preenchem um questionário prévio, o que permite que a equipe compreenda melhor as necessidades de cada pessoa atendida.
Além das unidades fixas, o programa oferece atendimento móvel, seguindo as mesmas diretrizes para garantir uma experiência adequada. Pacientes autistas compõem o fluxo prioritário e são acompanhados por dois técnicos de enfermagem, sendo que 30% dos atendimentos ocorreram de forma domiciliar.
Segundo Fernanda Picchi Garcia, médica consultora do TEAcolher, o programa registrou um aumento de 7,6% nos atendimentos a autistas adultos. Garcia conta que esses pacientes chegam ao consultório com duas queixas comuns: a espera para conseguir atendimento em outras localidades e o uso de expressões que consideram inadequadas, como ‘autismo leve’, classificação antiga que não deve ser usada entre os médicos.
Atualmente, o TEAcolher está disponível em unidades do Fleury Medicina e Saúde no Morumbi, Anália Franco, Braz Leme, Paraíso, Alphaville e Santo André II, e há planos de expansão para a marca a+ Medicina Diagnóstica, em São Paulo.
Para conseguir ser atendido por meio do programa, é preciso que o indivíduo autista se apresente na unidade Fleury Kids. O paciente ou o responsável será encaminhado ao Núcleo de atendimento TEAcolher para a construção do atendimento, que segue as necessidades do caso.