Exceções em projeto de lei contra supersalários podem custar ao menos R$ 3,4 bi, diz relatório

LUANY GALDEANO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

O projeto de lei que tenta barrar os chamados supersalários no serviço público não combate remunerações acima do teto (hoje de R$ 46,3 mil) e abre brecha para que poucas categorias recebam pagamentos ainda maiores, segundo especialistas.

Entre servidores do Judiciário e do Ministério Público, apenas 4 das 32 exceções no projeto, como pagamento em dobro de férias e ressarcimento de planos de saúde, podem impactar o Orçamento R$ 3,4 bilhões em 2025, segundo relatório Movimento Pessoas à Frente.

As soluções devem passar pelo engajamento da sociedade civil, que, para especialistas, perde a confiança no setor devido a um pequeno grupo com salários elevados. O tema foi discutido na segunda (31), durante o evento Supersalários em Debate, organizado pelo Movimento Pessoas à Frente, instituição voltada à gestão de pessoas no setor público.

“O PL, ao contrário de conter abusos e trazer remunerações dos magistrados para um valor razoável, legitima penduricalhos que hoje são pagos de valor indevido e inconstitucional”, disse Bruno Carazza, autor do livro “O País dos Privilégios”, professor da Fundação Dom Cabral e um dos integrantes do debate.

Atualmente, o projeto está em tramitação na Câmara.

Além de Carazza, participaram da mesa a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP), Vera Monteiro, professora de direito administrativo da FGV (Fundação Getulio Vargas) e integrante do Movimento Pessoas à Frente, João Paulo Bachur, professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), e Débora Freire Cardoso, subsecretária de Política Fiscal no Ministério da Fazenda. A mediação foi de Jessika Moreira, diretora-executiva do Movimento.

Carazza critica ainda o que ele denomina de “teto duplex”, criado no fim de março pela corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para limitar a até R$ 46,3 mil os penduricalhos dados a juízes.

Segundo ele, a medida legitima os pagamentos acima do teto e não ataca a estrutura do problema.

Para Tabata Amaral, a aprovação de um projeto que restrinja os supersalários passa pelo diálogo com a sociedade, que precisa estar a par da dimensão da questão.A própria deputada afirmou que votou a favor do PL, sem entender como as exceções afetam o propósito de limitar as remunerações acima do teto.

“Eu votei o PL de forma favorável, achando que estava contribuindo para o enfrentamento disso. Hoje eu vejo que não. Mas porque lá atrás eu não entendi, sendo muito sincera. Esse projeto não tem mais o meu apoio”, declarou.

Ela diz que o combate aos supersalários pode seguir o exemplo da campanha do projeto de lei para taxar super-ricos. Para a deputada, a proposta tem adesão da sociedade, que entende que a conta será paga por quem recebe mais.

Segundo a subsecretária Débora Cardoso, o projeto também tem potencial para tributar quem ganha supersalários, uma vez que as verbas indenizatórias não estão sujeitas à taxação.

“A discussão da reforma da tributação de renda coloca um olhar para correção de distorções. Os supersalários são um problema também para a progressividade do Imposto de Renda.”

As indenizações para certas atividades são aceitáveis, segundo Vera Monteiro, professora da FGV. Elas cabem, por exemplo, quando o servidor público deve ser compensado depois de precisar arcar por conta própria com os custos para viabilizar um serviço. Mas, com o tempo e o lobby das carreiras que recebem supersalários, esse benefício foi corrompido.

“Quando a Constituição foi alterada para permitir que indenizações ficassem fora do teto, foi uma ideia racional. O problema decorreu do fato de colocarmos qualquer coisa na indenização, como retroativos e auxílio-alimentação. Essa distorção nos leva a pensar que determinadas carreiras acham que o teto é muito baixo”, afirmou.

À medida que as verbas indenizatórias viraram padrão em algumas carreiras, dadas a todos os servidores e de forma irrestrita, elas se tornam uma gratificação disfarçada, de acordo com João Paulo Bachur, do IDP.

Ele diz que, além disso, essas verbas não têm previsão legal expressa. No geral, são dadas por provimentos, atos administrativos ou de presidentes de um tribunal. No último mês, por exemplo, o Tribunal de Justiça do Maranhão sugeriu a compra de 50 iPhones 16 Pro Max para os desembargadores, em valores que poderiam chegar a R$ 574 mil. A compra foi suspensa pelo CNJ.


*A repórter Luany Galdeano viajou a Brasília a convite do Movimento Pessoas à Frente

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