DO LITORAL PARA O INTERIOR

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“O céu era o mesmo da minha visita ao local, no dia 2 de outubro de 1956 – céu imenso, desdobrado, de nuvens coloridas, como se refletisse o esplendor da metrópole que se abria no chão”: trecho do livro do ex-presidente Juscelino Kubitschek “Por que construí Brasília”, citado no dia da inauguração de Brasília. Em 21 de abril de 1960, JK inaugurava a nova capital do Brasil, e as memórias deste dia ele retrata em sua obra mencionada acima.

JK foi o construtor, mas a história de Brasília nasceu muitos anos antes do presidente visionário. A partir de hoje, o Jornal de Brasília inicia uma série de reportagens em comemoração aos 65 anos da capital da República. Durante este mês de abril, os leitores serão agraciados com textos sobre a história da terceira, e atual, capital do Brasil, além de se encantarem com as belezas do quadradinho e da sua gente.
Surge a ideia

A transferência da capital do Rio de Janeiro para Brasília, em 1960, se confunde com a própria história do Brasil, e por isso, para embarcar nesse Cerrado é preciso voltar ao passado. No período colonial, entre 1500 a 1822, quando os portugueses chegaram ao Brasil a ideia de se levar uma capital para o interior já existia. O nome da época foi Marquês de Pombal.

Dentre os motivos levantados pelo nobre português estava a vulnerabilidade de uma capital no litoral, que na Colônia Portuguesa da América – período que o Brasil foi colonizado por Portugal – já tinha tido uma capital em Salvador, por conta da produção de cana de açúcar no nordeste, e no Rio de Janeiro, por conta do período da mineração.

No Rio, Pombal levanta a questão sobre uma capital no interior ser mais segura, já que no litoral seria sempre mais vulnerável. Foi apenas uma sugestão, na época nada andou para frente. Em 1808, com a chegada da família imperial portuguesa à Colônia Portuguesa da América, a ideia de uma capital no interior renasce.

Interior do Rio

Com a invasão de Napoleão Bonaparte a Portugal, em 1807, Dom João VI – rei português – fugiu para o Brasil. No ano seguinte, com a família real já instalada no território brasileiro é discutida a possibilidade de transferir a capital para o interior do Rio de Janeiro para que a coroa portuguesa não fique vulnerável a possiveis invasões. Vale ressaltar que a proposta desse período não era uma mudança para o Planalto Central, mas sim mais para o interior do próprio Rio.

Da chegada da família real à Proclamação da Independência, em 1822, passaram-se 14 anos de silêncio sobre a mudança da capital, que nem para o interior do Rio vingou. Com a ruptura do Império do Brasil com Portugal, por meio de Dom Pedro I, começam os trâmites para formular a primeira constituição em território brasileiro.

No Planalto Central

Durante a Constituinte de 1824, José Bonifácio, conhecido como Patriarca da Independência, sugeriu uma capital no interior, agora, sim, mais no sentido do Planalto Central. Poucos sabem, mas a ideia veio de um jornalista, Hipólito José da Costa, através do jornal Correio Braziliense, que era escrito na Inglaterra, mas circulou no Império do Brasil entre 1808 a 1823.

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José Bonifácio. – Foto: Reprodução

Sendo leitor do jornal, Bonifácio acolhe as ideias mudancistas presentes no periódico e propõe, em 1824, que a capital seja transferida para o interior, e mais, que a proposta já entre na Constituição que estava sendo criada. “Hipólito da Costa é um dos primeiros a sugerir uma capital bem no interior do Brasil, por meio do Correio Braziliense”, recordou o historiador do Arquivo Público, Elias Manoel da Silva, especialista na história de Brasília.

Como no período colonial, a proposta é apresentada, por Bonifácio, pelos motivos de segurança. No interior, longe do litoral – no Rio – a capital estaria mais segura, defendeu o Patriarca. O medo em questão nem era mais de Napoleão Bonaparte, mas do próprio Portugal visto que tinha sido proclamada a Independência. Como se sabe, a mudança da capital para o interior não entra na Constituição de 1824, somente mais para frente, na Carta Magna de 1891, mas sobre ela veremos mais a fundo na edição de amanhã.

No Império do Brasil, pós Constituição de 1824, existem alguns “burburinhos” no Senado sobre a transferência da capital para o interior. Nesse espaço de tempo surge um novo elemento, além da segurança, a proposta é para que essa nova região seja conquistada e populada. “São discursos que foram feitos no Senado, no Rio de Janeiro, de senadores que sugeriram levar a capital para o interior”, explicou Silva.

Entre as lagoas

Após José Bonifácio e Hipólito José da Costa, Francisco Adolfo de Varnhagen, diplomata e historiador brasileiro, entre 1870 a 1877, foi um dos grandes nomes da ideia de mudar a capital para o interior. O visconde de Porto Seguro, como também é conhecido, foi a primeira pessoa a visitar o interior do Brasil e elencar em seu livro “A Questão da Capital: Marítima ou no Interior?”, publicado em 1877, os motivos para se transferir a sede do Império para uma área mais central do território brasileiro.

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Francisco Adolfo. – Foto: Reprodução

“Quanto mais central esteja a capital, mais obstáculos se poderiam criar para não chegar a ela qualquer inimigo que ousasse invadir o país”, escreveu Varnhagen na sua obra mencionada acima. Ao visitar o interior do Brasil, o visconde de Porto Seguro sugere que a nova capital seja feita em um triângulo, entre as lagoas Feia, Bonita e Formosaem Goiás. Ou seja, ele propôs a nova sede do Império exatamente no local onde está, atualmente, Brasília.

Em 1878, Varnhagen morreu após contrair uma doença decorrente da viagem que fez ao interior do Brasil. Com ele, a ideia de mudança da capital é silenciada, mas claro que não definitivamente. O homem se foi, mas o visconde de Porto Seguro deixou um legado – o livro que aponta os motivos para uma capital no Planalto Central.

Foi um erro ou um acerto?

Ao recordarmos a história, pode surgir o questionamento: foi um erro ou um acerto a mudança da capital para o interior do país? O fato é que foram anos para se consolidar em cidade (Brasília) as ideias que surgiram desde o período colonial e que repercutiram durante toda a história do Brasil, até 1960 – ano de inauguração de Brasília.

Já imaginou reviver essa saga, de pensar, estudar, demarcar e estabelecer uma nova capital para o Brasil? Que difícil seria. Para o historiador do Arquivo Público, Elias Manoel da Silva, não existe outro lugar ideal para a capital da República, visto que a cidade não foi uma construção do acaso, mas foi desenvolvida através de estudos que partiram de várias pessoas em períodos diferentes da história.

“Se Brasília não tivesse vindo para o Planalto Central em 1960, teria vindo em outra época porque havia vários estudos que indicavam para esse local. Não acredito que teria mudança do local da capital porque os estudos, desde a Comissão Cruls, sempre deixavam um relatório e cumulativamente se construiu um consenso, ou seja, para o Planalto Central”, argumentou Silva.

“A lenda de Tiradentes e Brasília”, como chama o historiador do Arquivo Público, Elias Manoel da Silva, surgiu no período da mineração, durante o século XVIII. A história de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, se mistura com a da atual capital do Brasil, tendo sido criada com a Proclamação da República, em 1889, pelo anseio de um herói que representasse o momento histórico.

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Tiradentes. – Foto: Divulgação

Com a transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, no período da mineração, surgem os Inconfidentes Mineiros, dentre eles Tiradentes. O movimento lutava contra o domínio e exploração da Colônia Portuguesa da América nas regiões de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.

Nesse período, os Inconfidentes, junto com Tiradentes, pediam a independência de Minas do restante da Colônia Portuguesa da América, com uma capital em São João del-Rei. Daí que surge o mito de Tiradentes, ao contrário do que se pensa ele não pedia a independência do Brasil, com uma capital no interior, mas sim o desligamento apenas de Minas, tornando-se assim um país, com a capital em São João del-Rei.

Por conta de erros de interpretação, nasceu o “mito do inconfidente”, ao associarem de forma errônea que Tiradentes foi o primeiro a sugerir uma capital no interior, sendo que ele propôs foi uma independência completa de Minas da Colônia Portuguesa da América.

Com a construção de Brasília, em 1956, resgata-se a imagem de Tiradentes, como um dos pioneiros na mudança da capital do Rio para o interior. Fato que foi usado, como já explicado, de forma errada para se justificar a transferência da capital para longe do litoral.

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