Estatais federais voltam a expandir quadro de pessoal sob Lula, puxadas por hospitais

lula barragem

FÁBIO PUPO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

As estatais federais interromperam uma trajetória de redução do quadro de pessoal, observada ao longo de governos anteriores, e cresceram nos dois primeiros anos do novo mandato do presidente Lula (PT).

O aumento é registrado principalmente entre empresas que não têm recursos suficientes para cobrir suas despesas e, por isso, dependem do Tesouro Nacional para exercer as atividades. A expansão foi puxada por companhias que gerem hospitais federais, além da Petrobras e do Banco do Brasil.

Apesar do aumento acumulado, especialistas defendem que a avaliação do quadro considere as particularidades de cada empresa. Em determinadas companhias, o movimento é considerado justificável, enquanto outros casos são vistos como exagerados.

No total, as estatais federais chegaram ao fim de 2024 com 8.524 empregados a mais do que em 2022 (último ano da gestão de Jair Bolsonaro, do PL) -o que representa uma expansão de 2%. Se consideradas apenas as empresas dependentes do Tesouro, o crescimento foi de 13% -ou 11.097 novos trabalhadores, quase o tamanho da Eletrobras quando foi privatizada.

As estatais federais são consideradas dependentes quando precisam receber recursos do Tesouro para pagar pessoal ou outras despesas. As subvenções da União a essas empresas têm sido crescentes ao longo dos anos e chegaram a R$ 23,9 bilhões em 2023, um aumento de 8,9% em comparação com o ano anterior.

Lidera o crescimento a Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), vinculada ao Ministério da Educação. A estatal é responsável por administrar 51 hospitais universitários no país e, em 2023 e 2024, contratou de forma líquida 7.733 pessoas (uma expansão de 19%).

Pouco menos da metade desse número é explicada pela incorporação de hospitais e profissionais que já recebiam recursos da União, como em unidades antes geridas pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). A maioria representa uma elevação de fato.

Daniel Beltrammi, vice-presidente da Ebserh, defende as contratações e afirma que a empresa pratica tarefas de prestação de serviço público. “São mais de 9.000 leitos hospitalares em todo o país. Além de cuidar das pessoas, com atenção especializada, estamos cuidando dos currículos de formação. As pessoas estão aprendendo dentro do hospital”, diz.

Esse é um dos casos em que especialistas ouvidos pela reportagem -inclusive membros de governos anteriores, que defendiam o enxugamento da máquina pública- veem a expansão como aceitável. A visão é que a Ebserh e outras estatais administradoras de hospitais exercem uma política que não rende necessariamente recursos financeiros, mas geram outros retornos para a sociedade (de formação educacional e saúde pública, por exemplo).

Além disso, a Ebserh unifica a gestão dos hospitais universitários. Com a centralização do processo de contratação e de compras, a estatal pode acabar reduzindo custos para a União -desde que mantida a busca pela economicidade.

Vera Monteiro, professora de direito administrativo na FGV Direito, afirma que o universo das estatais é múltiplo e demanda uma análise particular sobre cada empresa. Ela aponta que a expansão, mesmo em hospitais, precisa ser avaliada em conjunto com as entregas.

“Aumento de empregados sem melhores serviços não é aceitável. Uma supervisão ministerial eficaz deveria ser capaz de reforçar o controle político, administrativo e orçamentário sobre as empresas controladas, especialmente nos casos de dependência”, afirma.

A economista e advogada Elena Landau, ex-diretora do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), afirma que hospitais geralmente demandam, de fato, mão de obra de forma intensiva. Por outro lado, ela defende ser necessário haver uma gestão rigorosa de recursos para que a empresa atenda a princípios constitucionais como o da eficiência.

“Você não pode partir do princípio de que a estatal dependente, exercendo uma atividade típica de Estado, não precisa de choque de gestão. A Embrapa, por exemplo, é uma empresa supereficiente e com um papel fundamental para a agricultura, mas pode ter mais eficiência de recursos”, afirma.

A visão é mais crítica quando analisada a expansão de outras estatais do ranking. O principal exemplo é a Petrobras, segunda que mais elevou o efetivo. São 3.715 profissionais a mais desde o fim de 2022, um aumento de 8%.

O crescimento na petroleira é observado em meio à diretriz de aceleração de investimentos orientada pelo governo Lula. Em grande parte, no entanto, os trabalhos são executados por outras empresas (como empreiteiras) e não foram concluídos.

Landau questiona a necessidade de contratações na empresa e vê a ampliação nessa e em outras estatais como o sintoma de algo maior. “A Petrobras tinha 3.000 empregados a menos e estava dando lucro recorde”, afirma.

“Você tem essa filosofia do governo Lula que é gastar. Seja por meio de estatais, por meio de fundos, dando mais poder para o BNDES, ou expandindo o Minha Casa, Minha Vida. Ele vai estimulando consumo, endividamento, e as estatais vão junto no gasto, nos funcionários, no uso de conselhos”, diz.

A Petrobras afirma que iniciou a partir de 2022 processos de contratação por concurso público para recompor parte do seu efetivo reduzido em gestões anteriores. A empresa diz que o objetivo é atender às necessidades dos negócios, sobretudo no pré-sal e no segmento de refino.

“É importante ressaltar que a empresa vive atualmente um cenário de expansão de suas atividades e investimentos em várias regiões do Brasil”, diz a Petrobras, citando US$ 111 bilhões em projetos até 2029. “Para que esses investimentos sejam executados, será naturalmente necessária a contratação e capacitação de novos empregados.”

No ranking das que mais expandiram o quadro, também estão Banco do Brasil (com 880 contratações, 1% a mais) e Banco do Nordeste (com 507, ou 8% a mais).

De acordo com o Banco do Brasil, o aumento é voltado à área de tecnologia da informação e tem entre os objetivos compensar baixas na equipe. “Desta forma, as contratações recentes de funcionários objetivam, além de suprir as ausências decorrentes de saídas naturais, reforçar a área de TI do banco.

Trata-se de movimento alinhado à estratégia digital da empresa”, afirma.

Entre as que mais contrataram também está a estatal Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados), com 208 funcionários a mais do que em 2022 (um crescimento de 3%). A empresa afirma que os profissionais foram alocados em áreas de desenvolvimento de sistemas e que o aumento foi necessário para atender à demanda no setor público “em um cenário de transformação digital acelerada”.

A Eletronuclear também aumentou o quadro, em 195 pessoas (crescimento de 11%), após fazer um concurso público em 2021 devido à “expectativa pela retomada de Angra 3”. A expansão é observada enquanto a empresa tem pela frente um cenário mais desafiador, após a Eletrobras sair dos potenciais investimentos na usina (que está com as obras paradas à espera de decisão do governo sobre retomá-las ou não).

Apesar das contratações, a empresa afirma que um plano de austeridade foi iniciado em 2024 e prevê a redução do quadro funcional. Um PDV (Plano de Demissão Voluntária) foi criado no segundo semestre do ano passado e deve produzir efeitos a partir de 2025.

“A Eletronuclear segue comprometida com uma gestão responsável e transparente, mantendo diálogo com todas as partes interessadas para garantir a sustentabilidade da empresa e a excelência na operação de suas usinas”, afirma a companhia.

Enquanto isso, na outra ponta da lista, Correios e Caixa fizeram cortes expressivos durante a gestão Lula. Somadas, as duas estatais cortaram 7.426 profissionais. Mesmo assim, elas figuram em segundo e terceiro lugar no ranking de maiores efetivos.

O Ministério da Gestão e Inovação nos Serviços Públicos afirma que a elevação em algumas estatais tem como justificativa a necessidade de repor cargos vagos devido aos anos sem concurso público e às aposentadorias, e que houve necessidade de expansão de atividades em certos casos.

“Algumas empresas tiveram a necessidade de abertura de novas unidades ou oferta de novos serviços para atender às demandas de políticas públicas e da sociedade, assim como eventuais necessidades de novos perfis de trabalho que acompanhem a evolução da tecnologia e serviços atuais”, afirma o ministério.

De acordo com a pasta, cada estatal tem autonomia para repor vagas -desde que dentro de um limite de quantitativo de pessoal validado pela secretaria de estatais vinculada ao ministério.

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