Sem líderes, Partido Democrata não encontra tática de oposição a Trump

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São Paulo, 23 – Desde a vitória de Donald Trump, o Partido Democrata está sem rumo. A legenda perdeu terreno entre os eleitores e não tem uma estratégia coordenada de oposição às rápidas e disruptivas medidas do republicano. Seus líderes tradicionais estão apáticos, enquanto nomes de menor escalão ameaçam romper internamente.

Entre os problemas, estão a carência de novos nomes e a falta de uma plataforma política consistente.

Segundo uma pesquisa da NBC News divulgada no dia 16, apenas 27% dos eleitores têm visões positivas sobre o partido. Trata-se do índice mais baixo desde que a pesquisa começou a ser feita, em 1990.

O levantamento também mostra que 65% dos eleitores desejam uma oposição mais combativa a Trump. Mas mesmo nomes influentes, como os ex-presidentes Barack Obama e Joe Biden e a ex-vice-presidente Kamala Harris, pouco disseram desde que Trump iniciou os cortes na burocracia federal e alterou a política externa.

“O Partido Democrata está sofrendo uma crise existencial”, afirmou o professor de ciências políticas do Berea College, Carlos Poggio. “O partido não sabe o que representa hoje. Antes era o partido da classe trabalhadora, hoje não é mais. A legenda sofre com uma falta de mensagem para o futuro e divisões internas.”

CRISE

O episódio mais recente desta divisão foi a falta de consenso em relação à votação do projeto de lei orçamentário dos republicanos, que poderia causar uma paralisação parcial do governo. Graças ao apoio do líder democrata no Senado, Chuck Schumer, e de mais nove democratas, o projeto foi aprovado.

Schumer argumentou que uma paralisação daria ao Departamento de Eficiência Governamental (Doge), do bilionário Elon Musk, ainda mais poder para desmantelar o governo federal, mas a medida irritou outros membros do partido.

O episódio ocorreu em um momento em que a ala mais jovem e progressista do Partido Democrata pede passagem. A congressista Alexandria Ocasio-Cortez, de 35 anos, estuda concorrer contra Schumer, de 74, nas primárias democratas para o Senado por Nova York em 2028. Outros veteranos, como Nancy Pelosi, de 84 anos, devem enfrentar o mesmo.

Em entrevista ao jornal New York Times, David Hogg, democrata de 24 anos eleito recentemente como vice-líder do Comitê Nacional do partido, afirmou que Biden não deveria ter concorrido em 2024 e que é preciso mais líderes jovens. “Isso não quer dizer que não precisamos de pessoas experientes no partido. Precisamos, com certeza. Mas, pelo amor de Deus, realmente precisamos de alguns líderes mais jovens também”, disse.

NOVAS LIDERANÇAS

Apesar da posição mais tímida, líderes jovens do partido têm se destacado por sua oposição mais vocal a Trump e ocupado as plataformas digitais. Entre os congressistas, Alexandria Ocasio-Cortez tem participado de podcasts e realizado eventos para ressaltar os riscos das medidas de Trump. No Senado, Chris Murphy, de 51 anos, se destaca pelas críticas ao presidente feitas nas plataformas digitais e em entrevistas a comediantes e influenciadores.

Outros democratas ganham atenção por posições diferentes do status quo do partido. O governador da Califórnia, Gavin Newson, por exemplo, afirmou em seu podcast que a participação de atletas transgêneros em competições femininas era “muito injusta”. A posição o colocou mais próximo dos republicanos neste tema.

Segundo Poggio, a mudança de discurso mostra a divisão atual dos democratas. “Esse tema é muito impopular entre os americanos e não existe um consenso dentro do Partido Democrata sobre qual é a melhor mensagem em relação a isso”, afirmou.

Apesar do esforço destes políticos, o analista ainda não consegue destacar nomes viáveis do partido para as eleições presidenciais de 2028. “Existem figuras que fazem esses esforços individuais, mas ninguém tem uma adesão nacional, uma imagem nacionalizada. Esse é o drama do Partido Democrata, eles não tem um Obama, não existe uma figura que possa unir o partido”.

ELEITORES

Além de uma nova estratégia, os democratas precisam correr atrás do prejuízo causado na última eleição, quando o Partido Republicano aumentou o eleitorado em 89% dos condados americanos, segundo um levantamento do New York Times. Trump avançou mesmo em Estados bastiões democratas, como Califórnia e Nova York.

O presidente americano também melhorou a sua parcela de votos entre brancos da classe trabalhadora, afro-americanos, mulheres, asiáticos e árabes-americanos, eleitores tradicionalmente mais alinhados com o Partido Democrata. O avanço é explicado por uma estratégia que explorou a fraqueza da economia americana e reforçou o conservadorismo, o que o aproximou de uma classe mais pobre.

Especialistas defendem formação de um ‘Tea Party’ democrata

Para analistas entrevistados pelo Estadão, os democratas precisam montar uma oposição similar ao movimento ‘Tea Party’ do Partido Republicano em 2009.

Na época, os republicanos passavam por uma crise de identidade após a grande vitória de Barack Obama nas eleições presidenciais de 2008, que obteve também uma maioria democrata em ambas as Casas legislativas.

O movimento republicano defendia uma redução do tamanho e escopo do governo americano, menos impostos, um controle mais rigoroso das fronteiras e um forte conservadorismo.

O Tea Party balançou o pêndulo do Partido Republicano ainda mais para a direita e se rebelou contra as elites da legenda. Políticos filiados ao movimento desbancaram nomes republicanos mais tradicionais em primárias em todo o país, formando uma oposição ferrenha contra as medidas de Obama. “A estratégia do Partido Republicano naquele momento era obstruir o presidente Obama de qualquer maneira com o intuito de retornar ao poder e avançar a agenda conservadora”, aponta Douglas Wilson, um consultor democrata que trabalha com políticos do partido.

MOBILIZAÇÃO

Como legenda minoritária em ambas as Casas legislativas, os republicanos não conseguiram obter grandes feitos concretos por meio de sua oposição, mas impulsionaram uma dedicada base de eleitores.

Nas eleições de meio de mandato, em 2010, os republicanos adicionaram 63 cadeiras em sua bancada na Câmara dos Deputados, conquistando a maioria. “A eleição de 2010 foi um marco que mostrou a força dos republicanos. Os democratas precisam usar isso e criar a própria estratégia”, disse Wilson.

O choque geracional do Partido Democrata também passa pela relação com os republicanos. Enquanto a velha guarda da legenda se lembra do partido de George W. Bush, que era mais aberto e conseguia negociar, os membros mais jovens só conviveram com os republicanos da era pós-Tea Party.

“Esse não é o partido de George W. Bush. Aquele Partido Republicano morreu em 2010. Os republicanos que estão em Washington agora querem apenas satisfazer Donald Trump, não querem trabalhar com os democratas”, destaca Wilson.

Estadão Conteúdo

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