Tsunami nos vinhos: tarifas dos EUA e a busca por novos mercados

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O mundo do vinho está em alerta. Um possível aumento das tarifas de importação dos Estados Unidos sobre vinhos europeus reacende uma preocupação recorrente entre produtores e exportadores: a perigosa dependência de um único mercado consumidor. O cenário ainda está em construção, mas promete desafios significativos que podem redefinir o mapa global das exportações vinícolas.

Diante disso, surge uma pergunta inevitável: o Brasil está pronto para se tornar um mercado estratégico para os vinhos europeus?

A nova ameaça tarifária: um fantasma que retorna

Desde 2019, em meio à disputa comercial entre Estados Unidos e União Europeia, tarifas de até 25% foram aplicadas sobre vinhos europeus, especialmente franceses, espanhóis, alemães e britânicos, com teor alcoólico abaixo de 14% e embalagens menores de 2 litros. O impacto foi imediato: as exportações de vinho francês para os EUA caíram cerca de 17% no primeiro ano de vigência dessas tarifas.

Agora, sob um novo contexto político e econômico, o governo americano cogita retomar ou até ampliar essas taxações, buscando proteger sua indústria doméstica. Em 2023, os EUA importaram cerca de US$ 7,1 bilhões em vinhos, sendo mais de US$ 4 bilhões provenientes da Europa, segundo dados da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV).

A armadilha da concentração: quando o mercado é estreito demais

O risco não é apenas financeiro, mas estratégico. A Europa tornou-se excessivamente dependente de mercados tradicionais como os Estados Unidos, Reino Unido e Canadá. Mais de 40% das exportações de vinho da União Europeia são direcionadas apenas para EUA e Reino Unido, segundo a Comissão Europeia.

Esse modelo se revela frágil em tempos de instabilidade política, desaceleração econômica ou medidas protecionistas. Diversificar mercados deixou de ser apenas uma opção para se tornar uma necessidade de sobrevivência.

Nova ordem: onde estão os mercados promissores

Durante anos, a China foi considerada a grande promessa entre os mercados emergentes para o vinho. No entanto, essa realidade mudou. O consumo chinês de vinho está em declínio constante desde 2017 e, só em 2023, sofreu uma queda de quase 25%, reflexo de mudanças culturais, demográficas e de comportamento de consumo.

Por outro lado, Singapura e Taiwan têm se destacado como novos polos de consumo qualificado na Ásia. Em 2022, Singapura importou US$ 778 milhões em vinhos, ocupando a 14ª posição entre os maiores importadores globais, segundo a OEC World. Com consumidores exigentes, cultura cosmopolita e um setor hoteleiro de alto padrão, o mercado de vinhos no país deve crescer a uma taxa composta de 5,77% ao ano até 2030.

Taiwan, por sua vez, importou aproximadamente US$ 275 milhões em vinhos em 2023, sendo que quase 30% desse valor veio da França. O consumo de vinhos premium tem crescido de forma consistente no país, impulsionado por consumidores jovens e sofisticados, atentos à origem dos rótulos.

O Brasil: uma janela aberta para o vinho europeu

Enquanto isso, o Brasil avança. Em 2022, o consumo per capita de vinho atingiu 2,6 litros por ano. O país importou mais de 160 milhões de litros de vinho em 2023, segundo o Instituto Brasileiro do Vinho (IBRAVIN).

O consumidor brasileiro está cada vez mais curioso, informado e disposto a experimentar. O crescimento de clubes de assinatura, a presença digital de sommeliers e comunicadores especializados e o fortalecimento de feiras como a Wine South America e a Prowein indicam que o mercado está se profissionalizando e amadurecendo.

Apesar da volatilidade do real frente ao euro, os vinhos europeus seguem com forte prestígio no Brasil. O desafio está em encontrar estratégias de posicionamento eficazes: faixas de preço bem calibradas, comunicação assertiva e ações promocionais direcionadas podem fazer toda a diferença.

Exportar não basta: é hora de construir relações

Diversificar mercados vai além do envio de contêineres. É essencial estar presente, compreender o contexto local e adaptar a linguagem, os formatos e as práticas comerciais.

No Brasil, há espaço para rótulos exclusivos, formatos alternativos (como bag-in-box premium ou garrafas menores), parcerias com importadoras locais e investimento em eventos educacionais. O consumidor brasileiro é receptivo, emocionalmente conectado ao vinho e sensível à história por trás da garrafa. Esse é um diferencial que pode ser explorado com sucesso.

De crise a virada estratégica

O possível aumento das tarifas nos EUA não deve ser encarado apenas como uma ameaça, mas como um alerta sobre a necessidade de modernizar e diversificar a estratégia de exportação do vinho europeu.

Em vez de concentrar todas as fichas nos mercados tradicionais, este é o momento de buscar destinos com crescimento sustentável, consumidores em evolução e abertura para novas experiências. E, nesse cenário, o Brasil tem potencial para deixar de ser um mercado secundário e se tornar um protagonista.

Com planejamento, investimento e uma abordagem sensível à cultura local, o vinho europeu pode encontrar no Brasil não apenas um novo mercado, mas um parceiro estratégico de longo prazo.

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