“Onda Nova” retorna aos cinemas após 40 anos

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Quando Onda Nova foi lançado no início dos anos 1980, enfrentou a censura de uma sociedade rígida e autoritária. Classificado como “amoral”, o filme teve grandes dificuldades para alcançar o público. Após mais de 40 anos de censura, o longa finalmente ganha o direito de reescrever sua história nas telonas. Agora em uma versão restaurada e remasterizada em 4K, o filme chega aos cinemas nesta quinta-feira (27).

Dirigido por José Antonio Garcia, Onda Nova é uma comédia erótica e anárquica que mistura esporte, feminismo e crítica política. A história segue as jogadoras do Gayvotas Futebol Clube, um time feminino recém-formado em um Brasil marcado pela repressão militar. No ano em que o futebol feminino foi finalmente regulamentado, após décadas de proibição, o filme dá voz às lutas pessoais e coletivas dessas mulheres, que enfrentam não só o conservadorismo de uma sociedade machista, mas também seus próprios dilemas internos.

Décadas depois, com a reabertura da obra, o diretor Kiko Martins reflete sobre o impacto duradouro que o filme causa, especialmente entre as novas gerações. Para ele, apesar da maior liberdade de expressão de hoje, o conservadorismo está mais presente do que nunca. “O público jovem adora a obra porque ela aborda com liberdade e leveza questões que hoje talvez sejam vistas como tabu”, conta Martins, destacando como o filme toca em temas que ainda são delicados no contexto atual.

A obra faz parte do que Martins chama de “trilogia do desejo”, abordando temas universais como a afirmação de identidade e o desejo como força transformadora. Ao revisitar o trabalho após tanto tempo, ele percebe que o desejo foi o elo central da trilogia, algo que na época não era tão claro para a equipe. “O desejo se tornou muito mais evidente para nós depois de terminarmos o filme. Ele se revela como algo que constitui a pessoa, que afirma a vida e a identidade dos personagens.”

Produzido dentro de um movimento que rompe com as convenções da pornochanchada, Onda Nova se apresenta como uma obra de resistência à moral conservadora, mas sem perder a popularidade. Ao contrário da visão negativa que frequentemente o gênero recebeu, Martins acredita que a pornochanchada se reconfigurou rapidamente como um campo de experimentação e expressão artística. “O termo pornochanchada foi lançado de forma pejorativa, mas logo se tornou uma característica do próprio gênero”, explica o diretor.

O projeto de restauração do filme, que finalmente ganhou um novo formato digital, foi um esforço coletivo. A restauradora Julia Duarte relembra os desafios enfrentados no processo. “Enfrentamos dificuldades desde o começo. Conseguimos a parceria da Cinemateca, mas o processo de restauração foi árduo”, lembra. Ela também destaca o peso emocional que o projeto teve. “Cresci com a ideia de que o filme era um desastre. O próprio Zé Antonio dizia que talvez fosse um filme ‘maldito’. Mas quando assisti pela primeira vez, achei um filme atualíssimo. Desde então, soube que teria um impacto ainda maior nos tempos atuais, especialmente nas discussões sobre identidade de gênero e a luta feminista.”

No contexto da restauração, a preservação da memória e da história do cinema brasileiro se tornou central. Julia observa: “Fala-se muito que a História é escrita pelos vencedores. Se um filme foi impedido de ser apreciado por censura ou conservadorismo, não significa que ele não fosse relevante.” Para ela, Onda Nova agora pode ser visto de forma mais livre, como uma legítima expressão de seu tempo.

Além da parte técnica da restauração, o projeto também se preocupou em recriar materiais promocionais como o cartaz e o trailer. A família Garcia, especialmente as filhas de José Antonio, Helena e Zita, se envolveram ativamente nesse processo. Helena revela que nunca imaginou que o filme seria apreciado como está sendo hoje. “Estávamos todos impressionados com a reação das novas gerações. O filme tem encantado os jovens, talvez por essa celebração da liberdade e da leveza, algo que não vemos com tanta frequência no cinema atual.”

Por fim, Zita Garcia, filha do diretor, reflete sobre o que considera o grande mérito de Onda Nova. “Meu pai era muito sábio e visionário. Ele estava falando de coisas que nem conseguimos entender na época. O filme foi à frente de seu tempo, por isso foi censurado”, afirma, com orgulho da obra que agora tem a chance de ser apreciada sob uma nova luz.

O relançamento de Onda Nova não é apenas uma volta ao passado, mas uma reinterpretação cultural que ressignifica um filme à frente de seu tempo. É uma obra que, finalmente, pode ser vivida novamente, mais relevante do que nunca, como um marco no cinema brasileiro e na luta pela liberdade de expressão.

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