Protetora denuncia maus-tratos e dedica a vida ao resgate e acolhimento

protetora

Por Camila Coimbra

A trajetória da proteção animal pela parte de Juliana F. Machado Campos, de 47 anos, começou ainda na infância, mas foi em 2018 que seu envolvimento se tornou mais intenso. Naquele ano, ao se deparar com um cachorro em situação precária, decidiu resgatá-lo e proporcionar-lhe uma nova chance de vida. A experiência foi um divisor de águas e a motivou a atuar de forma mais ativa na causa animal. Desde então, a pedagoga tem dedicado grande parte de seu tempo ao resgate, acolhimento e encaminhamento de animais abandonados.

Em 2019, Juliana integrou-se ao grupo Olívia Ajuda, onde permaneceu por três anos, fortalecendo seu compromisso com a causa. Mesmo após sua saída do projeto, continuou seu trabalho de forma independente. Até hoje, estima-se que tenha ajudado entre 400 e 500 animais, promovendo adoções responsáveis e atuando no controle populacional por meio da prática conhecida como CED (Captura, Esterilização e Devolução), esse método consiste em capturar os animais, castrá-los, identificá-los com uma marcação na orelha e devolvê-los ao local de origem. Essa estratégia é essencial para evitar a superpopulação de animais abandonados. No entanto, alguns bichos extremamente dóceis ou debilitados não podem ser devolvidos, e é aí que entra o trabalho dos protetores, que acabam acolhendo esses animais em suas próprias casas.

maus tratos
Foto: Camila Coimbra / JBr

Seu trabalho, no entanto, não é isento de desafios. A falta de apoio financeiro, a dificuldade em encontrar adotantes confiáveis e a dor de ver animais rejeitados ou abandonados novamente fazem parte de sua rotina. Entre tantos casos marcantes, um dos que mais a entristeceram foi o da gata tigrada Pietra, um animal de temperamento arisco, que exigia paciência e dedicação para se adaptar a um novo lar e que foi adotada pelo então investigado, Pablo Stuart, de 30 anos, por maus tratos de animais.

No início de 2023, Juliana foi contatada por um homem interessado em adotar uma gata adulta tigrada. A abordagem ocorreu por meio da página no Instagram Miados & Ronronados, onde ela divulga os resgates e busca lares responsáveis para os animais. Entre as opções apresentadas, o adotante escolheu Pietra.

Desde o início, Juliana fez questão de alertá-lo sobre o comportamento da gata. Explicou que Pietra era um animal traumatizado, que exigia paciência e adaptação. O homem, no entanto, insistiu na adoção e garantiu estar disposto a investir tempo e carinho para conquistar a confiança da felina. “O meu sonho é a Pietra”, teria dito ele, reforçando sua determinação.

Durante a semana que antecedeu a adoção, ele enviou vídeos do apartamento telado, imagens da estrutura preparada para a gata e assegurou que tomaria todos os cuidados necessários. O discurso convincente e as provas enviadas tranquilizaram Juliana, que acreditou estar encaminhando Pietra para um lar seguro e definitivo.

No dia da entrega, marcada para uma feira sobre veganismo na Asa Sul, Juliana ainda reforçou o alerta, ao abrir a caixa de transporte para que o adotante visse a gata, perguntou novamente: “Você tem certeza de que quer ficar com ela?”. A resposta foi positiva. O homem garantiu que se dedicaria para ganhar a confiança do animal.

No entanto, poucos dias depois, Juliana recebeu uma notícia devastadora: Pietra havia sido abandonada. O homem, que até então parecia ser um adotante ideal, não apenas descumpriu sua promessa como colocou a vida do animal em risco. A revelação gerou revolta e um profundo sentimento de impotência para ela.

Juliana então passou a investigar e cruzar informações com outras protetoras até descobrir que não se tratava de um caso isolado. A estudante Bruna Miranda Pereira, que atua na proteção dos gatos do campus da Universidade de Brasília (UnB), também havia entregue um animal ao mesmo homem. Quindim, um filhote tigrado resgatado por Bruna, e que foi adotado por ele meses depois e também desapareceu.

Com os indícios cada vez mais fortes, Juliana denunciou o caso à Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). A Delegacia de Repressão aos Crimes Contra os Animais (DRCA) iniciou um inquérito contra o homem de 30 anos, morador do Gama, suspeito de adotar pelo menos 16 gatos nos últimos meses e submetê-los a maus-tratos.

De acordo com o delegado Jonatas Silva, responsável pela investigação, o suspeito apresentava um padrão específico de adoção, sempre escolhendo gatos de pelagem tigrada. Ele utilizava um discurso protetivo e emotivo para convencer cuidadores e protetores a entregarem os animais. “Infelizmente, após a adoção, esses gatos simplesmente desapareciam”, afirmou Silva.

Áudios obtidos pela investigação revelam que o homem afirmava realizar experimentos com os animais adotados, o que pode ter resultado na morte de alguns deles. Em outra gravação, ele menciona ter passado por momentos de surto, nos quais teria abandonado dois dos felinos.

Durante as diligências, Juliana conseguiu resgatar Joe, um dos gatos que estavam com o investigado. O animal foi encontrado com uma pata fraturada e passou por cirurgia. Em breve, ele estará disponível para uma adoção responsável. No interrogatório realizado pela DRCA, o homem optou por permanecer em silêncio. A Polícia Civil continua reunindo provas e não descarta a possibilidade de que ele responda por outros crimes.

A Polícia Civil do Distrito Federal, por intermédio da DRCA, indiciou formalmente o suspeito, que responde por 16 crimes de maus-tratos a animais. A pena para cada delito varia de dois a cinco anos de reclusão. A delegacia também solicitou a prisão preventiva do investigado e aguarda a decisão do Poder Judiciário.

Os desafios da adoção responsável e da proteção animal

A estudante de Farmácia da Universidade de Brasília (UnB), Bruna Miranda Pereira, de 23 anos, também conhece bem os desafios da proteção animal. Moradora do Itapoã, ela iniciou seu trabalho na causa em 2022, ao se deparar com uma grande população de gatos no Centro Olímpico (CO) da universidade.

Estima-se que exista cerca de entre 1,5 milhão e 1,7 milhão de cães e gatos nas ruas do Distrito Federal, de acordo com os dados de 2024 divulgados pela Confederação Brasileira de Proteção Animal (CBPA).

Ao longo desses anos, a estudante já cuidou de cerca de 100 gatos, tanto da UnB quanto de fora. “No início, eu tinha apenas um banheiro livre, mas logo arranjei um quarto só para eles. Levava ao veterinário, cuidava das doenças, acostumava-os ao contato humano, castrava e então disponibilizava para adoção na minha página no Instagram, @resgatosunb.”

No entanto, encontrar adotantes responsáveis é um grande desafio. “Faço uma entrevista extensa e peço vídeos da casa com tela de proteção. Muitas pessoas desistem no meio do caminho porque acham muita burocracia”, explica. Além disso, há casos em que os adotantes mentem, o que exige atenção redobrada. “Confiar em alguém é difícil, ainda mais quando estamos entregando uma vida que nos é tão importante.”

Um dos casos que mais a marcou foi o do gato tigrado Quindim, resgatado em abril de 2024 no Instituto de Ciências Sociais. “Ele era um bebê, tinha cerca de um mês. Quando cheguei para pegá-lo, um dos irmãos já estava sem vida.” Quindim ficou quase um ano sob os cuidados de Bruna até ser adotado. No entanto, a primeira adoção não deu certo: a pessoa que o levou era uma acumuladora de animais, e Bruna conseguiu resgatá-lo de volta.

Em fevereiro deste ano, Quindim foi adotado novamente, dessa vez por Pablo Stuart, que passou em todas as etapas da avaliação. “Nos primeiros dias, ele me mandava notícias. Depois de três semanas, pedi um vídeo e percebi que parecia antigo. Na semana seguinte, soube das acusações contra ele. Meu mundo caiu.” Desde então, Bruna não tem notícias do paradeiro de Quindim. “Espero que a justiça seja feita, mas não tenho esperanças de que meu pequeno esteja vivo.”

Bruna conta com uma rede de apoio formada por outros protetores, veterinárias da UnB, adotantes e, principalmente, sua família. Ainda assim, a luta contra o abandono e os maus-tratos é constante. Mesmo diante de perdas dolorosas, a estudante segue determinada a continuar seu trabalho. “Nosso esforço não é reconhecido, e muitas pessoas acham que a responsabilidade pelos animais de rua é nossa, e não do governo. Mas não desisto. Cada gato salvo é uma vida transformada.”

A DRCA reforça que, além das investigações policiais, a proteção animal depende do esforço diário de cidadãos que atuam sem apoio institucional. “São cidadãos e cidadãs que, movidos por um amor genuíno e incondicional, dedicam suas vidas à causa da proteção animal. Fazem tudo isso sem garantias, apenas com a força da compaixão e da solidariedade. São, verdadeiramente, anjos em forma humana”, destaca o delegado Jonatas Silva. .

Enquanto esperam por justiça e avanços nas políticas públicas, protetoras como Juliana e Bruna seguem lutando para que cada animal tenha um destino diferente de Pietra e Quindim. “Cada vida salva é uma vitória”, conclui Juliana.

Saiba Mais: Adoção Responsável

Adotar um animal de estimação é um ato de amor, mas também exige comprometimento. Antes de tomar essa decisão, é importante considerar alguns pontos fundamentais:

Compromisso a longo prazo – Cães e gatos podem viver mais de 15 anos. Certifique-se de que está preparado para cuidar do animal por toda a vida.

Espaço e ambiente adequados – O local deve ser seguro e confortável para o pet. Apartamentos exigem telas de proteção para gatos, enquanto cães precisam de passeios diários.

Custos envolvidos – Além da alimentação, há despesas com veterinário, vacinas, castração e possíveis emergências médicas.

Alimentação e cuidados – Cada espécie e raça tem necessidades específicas. Informe-se sobre a nutrição adequada e dedique tempo para brincadeiras e carinho.

Castração e bem-estar – A castração evita crias indesejadas e contribui para a saúde do animal, prevenindo doenças.

Educação e paciência – Alguns animais podem precisar de tempo para se adaptar. Tenha paciência e, se necessário, busque adestramento positivo.

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