Escolhas de Kamala e Trump para noite da eleição apontam seus focos na campanha

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DIOGO BERCITO
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS)

Os residentes da rua U, na capital dos Estados Unidos, Washington, estão acostumados com a algazarra. Todos os dias, o som de seus bares e clubes adentra a madrugada. Nesta terça-feira (5), no entanto, os responsáveis pela celebração serão outros: a campanha de Kamala Harris.

Kamala vai estar na Universidade Howard, a algumas quadras dali, para acompanhar a apuração e -quiçá- comemorar o resultado. É onde estuda a elite intelectual afro-americana. Kamala se formou ali em 1986.

Donald Trump fez uma aposta diferente. O republicano vai passar o dia entre as mansões e as palmeiras do opulento sul da Flórida, onde mora. Planeja uma festança em um centro de convenções de West Palm Beach.

Essas decisões dão conta do abismo social e cultural que separa os dois candidatos e seus simpatizantes. São de certa maneira um resumo de suas trajetórias políticas e do que suas campanhas significam neste país.

A Universidade Howard remonta à Guerra Civil Americana, travada de 1861 a 1865. Um dos motivos daquele conflito, que rachou e continua a rachar o país, foi a recusa dos estados do Sul em libertar os escravizados.

Os estados do Norte venceram e aboliram a escravidão. O passo seguinte foi integrar a população de origem africana. O Congresso criou a Universidade Howard em 1867 -local onde muitos negros libertos foram estudar.

Outras instituições tiveram a mesma vocação, mas Howard se destacou. Ficou conhecida como “Harvard negra”, em alusão à universidade de elite frequentada pela população branca, em um país que foi segregado.

Antes de Kamala, estudaram ali algumas figuras mais celebradas da cultura negra americana. Entre elas, a escritora Toni Morrison, ganhadora do Nobel de literatura, e Thurgood Marshall, primeiro juiz negro da Suprema Corte.

Kamala cursou economia e ciências políticas. Durante sua passagem por Howard, conectou-se às suas origens. Seu pai, Donald Harris, era um jamaicano de origem africana. Sua mãe era a indiana Shyamala Gopalan.

A democrata costuma dizer, inclusive, que foi na universidade que ela começou a sua carreira política. Kamala concorreu a cargos de representante estudantil e fez parte de importantes irmandades de alunos.

É histórico, nesse sentido, que a candidata tenha decidido fazer da universidade o cenário do dia da eleição. É um aceno à sua própria história. É um sinal, também, para o eleitorado negro, do qual depende para conseguir a vitória contra Trump.

A campanha democrata visou, em especial, as mulheres negras nestas últimas semanas. Elas tendem a favorecer Kamala. Já os republicanos apostaram em jovens homens brancos, entre os quais Trump tem força.

Kamala está empatada com Trump nas pesquisas, e o resultado pode não ser o que ela espera. De todo modo, a escolha de Howard já terá celebrado a população negra, que continua a ser discriminada nos EUA.

Já os simbolismos de Trump são outros. O republicano quis estar na Flórida, um dos estados mais associados no imaginário popular à população conservadora. É onde os ricaços -como ele- se aposentam.

Antes de entrar na política, Trump construiu a reputação de um influente homem de negócios como a que projetou na série de TV “O Aprendiz”. Ele se cerca de coisas douradas e brilhantes.

O apelo, com isso, é a outro tipo de americano. É bastante popular no país a admiração a pessoas bem-sucedidas. O dinheiro é um sinal não apenas da acumulação de capital, mas também do valor do indivíduo.

Em 2019, Trump mudou sua residência de Nova York, onde começou a carreira de empresário, para a Flórida. O republicano tem uma mansão no condado de Palm Beach, no sul da Flórida, chamada de Mar-a-Lago. Foi construída no começo do século pela socialite Marjorie Merriweather Post. Tornou-se, sob Trump, uma espécie de “Casa Branca do Sul”. A região é associada até hoje ao passado escravista americano.

Mesmo antes de se mudar de modo oficial, Trump já passava bastante tempo ali. A imprensa americana calcula que ele tenha feito dezenas de viagens a Palm Beach durante sua Presidência, que foi de 2017 a 2021.

Trouxe líderes políticos nacionais, internacionais e celebridades para a sua mansão, e desse modo transformou a região em um bastião da elite. Simpatizantes e aliados se mudaram aos arredores, para estar por perto.

Isso causou, inclusive, uma transformação política no condado de Palm Beach. Em 2016, o Partido Democrata tinha 114 mil eleitores registrados a mais do que o Partido Republicano. A diferença, hoje, é de só 42 mil.

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