Polícia recorre a agentes infiltrados para combater onda de violência online entre crianças e adolescentes

celular na escola

ISABELLA MENON
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Automutilação, ameaças, xingamentos e estupro virtual. Essa é a lista dos principais problemas que um grupo de “observadores digitais” criado pela Polícia Civil de São Paulo tem encontrado em comunidades voltadas para crianças e adolescentes em aplicativos de mensagem.

Para combater o aumento dessa violência online contra menores de 18 anos, os investigadores passaram a se infiltrar em grupos de Discord, Roblox e Telegram, entre outros apps, para acompanhar a conversa e detectar quando um possível crime acontece. Procuradas, as empresas dizem ter medidas para combater esse tipo de comportamento em suas plataformas.

Após casos de ataques em escolas paulistas em 2023, a Secretaria de Segurança Pública estadual decidiu observar mais de perto os grupos online que incentivam e propagam crimes. Isso levou a criação em novembro do ano passado do Noad (Núcleo de Observação e Análise Digital). Os policiais civis infiltrados em comunidades de aplicativos fazem parte deste grupo.

“O ataque à escola hoje é o menor dos nossos problemas”, diz Lisandréa Salvariego, delegada e coordenadora do núcleo. “Não é algo mais atrativo [ataque a escolas], demanda trabalho, os grupos precisam de uma pessoa com certo perfil que não dê errado e eles conseguem os mesmos views nas redes sociais de formas mais baratas.”

Mas isso não significa que a violência entre jovens diminuiu, alerta ela. A delegada explica que o que aconteceu foi uma mudança do tipo de ações contra crianças e adolescentes na internet, e que agora o maior problema são crimes sexuais.

Salvariego considera, inclusive, que essa violência online só tem crescido.

Os casos ocorrem, em geral, durante a madrugada. Por isso, os policiais infiltrados nos grupos precisam estar online nesse período, para acompanhar em tempo real o que acontece.

Quando desconfiam de alguma coisa, tentam entrar em contato com os pais das vítimas e avisar o que está acontecendo. Entre os conteúdos coletados, estão estupros virtuais, em que jovens de 7 a 17 anos são submetidas a rituais de humilhação em salas de bate-papo.

Há casos de meninas obrigadas a introduzir materiais nas genitais. Outro crime comum nestas comunidades é que as vítimas sejam obrigadas a escrever os nomes dos agressores no corpo com objetos cortantes. Segundo o núcleo, a ação dos agentes evitou mais de 80 crimes desde novembro até agora. “Tenho 17 anos como delegada e nunca vi nada igual”, diz Salvariego.

Ela explica que nestas comunidades online, chamadas “panelas”, há hierarquias internas e objetivos específicos. Em alguns, os recém-chegados são chamados de soldados e respondem aos coronéis.

Nestes casos, o objetivo é galgar posições. Para isso, precisam cumprir uma série de desafios, como, por exemplo, fazer uma criança se mutilar ao vivo.

Em geral, membros destes grupos começam relações virtuais com meninas nas plataformas. Durante as conversas, pedem fotos e coletam informações delas e de suas famílias. Quando migram para as comunidades, passam a expô-las ao vivo. Depois, eles começam a fazer chantagem, dizendo que se elas se recusarem a fazer algo, vão contar a seus pais ou expor suas imagens nas redes sociais.

Nestes casos, o grupo de investigadores também observa que as vítimas são alvo de agressões escalonadas. A violência vai de fazer a menina cortar o cabelo ou tomar água da privada até obrigá-la a se automutilar.

Além destes crimes, é comum que as fotos coletadas sejam revendidas. Entre as comunidades que são investigadas pelo núcleo da polícia paulista, há algumas que possuam cerca de 100 mil seguidores espalhados pelo mundo.

Os investigadores afirmam ainda que esses grupos estão presentes em diferentes servidores, assim caso o principal canal saia do ar, conseguem seguir funcionando.

A polícia diz também que os criminosos costumem buscar novas formas de agressão e que, recentemente, passaram a pagar por ataques. Nessa modalidade, oferecem uma quantia em dinheiro para que os seguidores cometam algum tipo de delito no mundo real, como agredir um morador de rua.

No final do ano passado, o núcleo deflagrou a primeira operação para cumprir dez mandados de busca e duas prisões temporárias foram autorizadas pela Justiça. As ações aconteceram em São Paulo, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e no Distrito Federal.

Um jovem foi preso no interior de São Paulo e apontado como um dos líderes de um grupo. Outro envolvido foi detido em Pernambuco -o pai também foi preso porque era por meio das contas bancárias dele que o filho recebia o dinheiro da venda de pornografia infantil.

A delegada explica que, como os alvos são frequentemente menores de 18 anos, não têm noção da violência que sofrem e podem ser repetidamente vitimizadas. Para a coordenadora do núcleo, é importante que pais registrem boletins de ocorrência caso seus filhos sejam vítimas deste tipo de crime.

Procurado, o Discord afirma ter “uma política de tolerância zero para atividades ilegais, discurso de ódio e violência, que não têm espaço em nossa plataforma ou em qualquer lugar da sociedade.”

A empresa disse também que derruba servidores que tem esse tipo de ação, bane os usuários envolvidos e que denúncia os casos para as autoridades. “Nossas equipes dedicadas trabalham constantemente para identificar e remover usuários e espaços onde agentes mal-intencionados se organizam em torno de ideologias prejudiciais, prevenindo o uso indevido da nossa plataforma”, afirma a nota.

A Roblox afirmou que não pode fazer comentários sobre possíveis crimes, mas que, no blog da plataforma, fez um anúncio recente de novas medidas de controles parentais, que “têm como objetivo garantir que os pais tenham o maior controle possível sobre a experiência que seus filhos estão tendo na plataforma, garantindo assim que a acessem da forma mais segura possível”. O Telegram não resóndeu à reportagem até a publicação deste texto.

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