Modelos protestam contra uso da palavra ‘modelo’ para se referir a garota de programa


SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Um grupo de modelos está se manifestando contra o uso indevido de seu título profissional para se referir a garotas de programa.

O eufemismo, utilizado há décadas, voltou a ficar evidente – e irritar as profissionais – nos últimos dias, após uma suposta festa de Neymar com trabalhadoras sexuais. Any Awuada, que se intitula modelo, afirmou a um podcast ter recebido R$ 20 mil para passar a noite com o jogador (ele nega).

Anderson Baumgartner, diretor de uma agência de modelos, se queixa de parte da imprensa, que vem empregando a palavra de forma irresponsável, segundo ele. “Tenho lido inúmeras matérias com a chamada: ‘Modelo recebeu valor X para fazer sexo com fulano. Então não é modelo. Trabalhar de fato nesta indústria é vender produtos, roupas, sapatos e cosméticos”, diz ele à reportagem.

O agente reitera que, para trabalhar em desfiles, campanhas e ensaios fotográficos, os profissionais da área precisam ter o chamado DRT, ou seja, registro na Delegacia Regional do Trabalho.

Nas redes sociais, as tops brasileiras Cintia Dicker, Amira Pinheiro e Lola Gleitch reproduziram parte do discurso de Baumgartner.

“Ninguém fala para o professor que ele é ginasta. Ninguém fala para o arquiteto que ele é professor. Cada um tem sua ocupação. Está tudo bem ser garota de programa, só é preciso denominar corretamente”, diz um trecho.

Hugo Gross, presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (Sated-RJ), que também abriga os profissionais da moda sob seu guarda-chuva, acrescenta: “Hoje em dia todo mundo diz que é ator, atriz, modelo, influencer. Quem realmente é, é sindicalizado. Tem documentação com registro”, diz. “Quando o trabalhador é sindicalizado, ele tem o respaldo de uma instituição séria que o protege.”

‘NOMENCLATURA É O DE MENOS’

Modelo desde a década de 1980, Luiza Brunet conta que o ofício era marginalizado na época. “As modelos eram julgadas como garotas de vida fácil. Havia uma crença de que realmente era possível contratá-las para programas.”

Baumgartner também lembra da forte estigmatização dos anos 1980 e 1990. “Era uma forma preconceituosa de tachar a profissão das modelos genuínas. Mães e meninas tinham receio do mercado da moda. Foi feito todo um trabalho da indústria, que é uma indústria muito importante para a economia brasileira, de profissionalização e mudança de rótulos”, diz.

Se hoje essa situação mudou, Brunet diz, no entanto, não se incomodar particularmente com a questão da nomenclatura. “Fora do Brasil, as garotas de programa são registradas, pagam impostos, é uma profissão como outra qualquer. Muitas se intitulam modelos porque são bem cuidadas, bonitas e se sentem no direito de se intitular assim. Isso não é uma preocupação para mim. O que me preocupa é a exposição dessas mulheres, o fato de que muitas ainda se deixam colocar nesse estado de vulnerabilidade.”

“A nomenclatura é o de menos. A gente está lutando por igualdade de gênero, para que as mulheres sejam reconhecidas nas posições que ocupam. Lutamos por paridade econômica, paridade de respeito. Não é a nomenclatura que me incomoda, e sim o estado de desvalorização em que algumas mulheres jovens ainda se colocam”, diz ela à reportagem.

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