“Se eu fosse Eu – Clarices” encena complicações do universo feminino; confira detalhes da peça e por que você deve assistir

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Por Milena Dias

Se você, mulher, fosse você mesma, sem se preocupar como o que os homens pensam, com o que a sociedade te impõe e com o medo que os dois trazem, você seria diferente?

Se é difícil pensar agora no século 21, imagine na época de Clarice Lispector (1920 – 1977), quando o patriarcado era mais forte ainda.

A peça “Se eu fosse eu – Clarices”, que está em cartaz de quinta (20) a domingo (23) em Brasília, em uma narrativa feminista, usa as obras “O ovo e a galinha”, “Perdoando Deus” e “Miss Algrave” de Clarice Lispector pra quebrar imposições às mulheres: maternidade, sexualidade e espiritualidade.

O elenco é formado por três mulheres da Agrupação Teatral Amacaca, que leva o público a feminino a sentir a opressão e a desconstrução que começou em Clarice Lispector.

O espetáculo é tomado por poesias recitadas pelas atrizes, enquanto encenam as obras em um cenário erroneamente associado às mulheres: a cozinha.

Nesse contexto, as atrizes Camila Guerra, Juliana Drummond e Rosanna Viegas, que também são as diretoras da peça, conseguem bater clara em neve, cozinhar ovos e carne, fazer chá e servir vinho enquanto contam as poesias e são as próprias personagens do enredo dos versos.  

Além delas próprias, as atrizes usam outras “personagens” principais de Clarice nas obras abordadas: o ovo, a galinha, a maçã e o rato. Ovos cozidos, ovos crus e maçãs são usadas em todo o enredo.

O ovo e a galinha

A atriz Camila Guerra, que interpretou “O Ovo e Galinha” para a peça, refletiu com base na obra: “É exigido de uma mulher uma perfeição ascética que nada tem a ver com a verdadeira ligação com a terra e com os refúgios sombrios da psiquê”. Ela ainda complementa, com temas que são abordados da peça:

“Os seus (das mulheres) contrastes particulares às vezes soam incompreensíveis, incabíveis, descolados, demonizados, assim como os tabus que giram em torno de seu corpo: o sangue mensal, o eito amamentando, os hormônios incontroláveis, a maternidade amada e sofrida, entre outros”. No teatro, ovos são usadas para exemplificar estigmas como a menstruação e a maternidade.  

Perdoando Deus

Para a diretora e atriz Rosana Veigas, ser como “Clarice é um desejo antigo”. Ela interpretou a obra Perdoando Deus para a peça e refletiu em frase que, inclusive, dá início ao espetáculo:

“Se eu fosse realmente eu, eu seria o tamanho da minha natureza, como Clarice quer. Mas talvez eu não possa comentar, pois… acho que ‘por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia’”.

Sobre a obra, elenco de mulheres reflete sobre qual o papel delas diante de Deus, em uma sociedade que as obriga a segui-lo de modo conservador.

Miss Algrave

A atriz Juliana Drummond finaliza a reflexão das obras com uma poesia sobre a pela em geral, e inspirada na obra Miss Algrave, que desconstrói o comportamento feminino, com liberdade, desejo, sexo e amor próprio, encenados pela atriz na peça:

“Ser mulher é coisa soberba: Era sujeita a julgamento/ Enigmática/ Densa/ Clarice sem meias palavras ou sentimentos/ Observa tudo ao redor e escreve… escreve… / Agora será revisitada, destrinchada em 3 contos/Mas, não conte/ Assista/ Sinta/ Não tente compreender/ Tente ser Clarice nessa epifania que brota do papel e nasce no palco 3 mulheres parindo um ser de nome Clarice/ 3 atrizes que se desnudam e se reviram do avesso/ Cruas no palco/ Corpo e sentido às palavras de Lispector/ Instante por instante/ Elas, Clarices, se fundem/ Em desordem/ Nos revela/ Seu olhar agudo sobre nós/ Mazelas, contradições, medos desconhecidos”.

Retrato da opressão às mulheres

“Tem tanta reflexão pra extrair do cotidiano e acho que essa é a grande sacada da Clarice, que é ter esse olhar profundo sobre a vida e acima de tudo é uma mulher escrevendo. Então diante de séculos de patriarcado, de silenciamento das mulheres, essa mulher ousou escrever, usou falar sobre as nossas questões”, disse a atriz Camila Guerra, em entrevista à Agência Ceub.

A atriz Juliana Drummond ainda complementa: “A gente usa a técnica (do teatro) e a abertura pra entender e dizer o que precisa ser dito e isso é muito importante. E o papel do artista não é só de observador, é além disso. Por isso a gente trabalha nesse lugar de escuta pra ouvir essas histórias pra nos inspirar e a gente revelar isso em cena”.  

Rosanna Viegas acrescenta, sobre encenar situações opressoras às mulheres: “É dialogando e se espelhando no teatro que as mulheres se reconhecem em suas próprias trajetórias, por vezes tortuosas”.

Confira a entrevista completa:

Serviço:

Espetáculo “Se Eu Fosse Eu-Clarices” volta em cartaz no Mês das Mulheres

Local: Espaço Cultural Renato Russo (508 Sul)

Datas: 20 a 23 de março de 2025

Quinta a domingo

Horário:  Quinta a sábado, às 20h, e domingo, às 16h30 e às 19h       

Ingressos: R$ 40 (meia)          

Doadores de um pacote de absorvente pagam meia entrada.

Antecipados pelo Sympla: https://www.sympla.com.br/evento/se-eu-fosse-eu-clarices/2830332?referrer=www.google.com

Não recomendado para menores de 18 anos

Mais informações:

Instagram: @claricescriativas e @agrupacaoteatralamacaca

Com Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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