Merz aprova pacote no Parlamento e alcança vitória histórica antes de se tornar premiê na Alemanha

"Friedrich Merz"

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS)

Em uma vitória pessoal e política histórica, Friedrich Merz conseguiu aprovar nesta terça-feira (18) em Berlim o maior pacote de estímulo da Alemanha desde a reunificação do país, em 1989. Após um dia de debates acalorados no Bundestag, o Parlamento alemão, Merz alcançou uma maioria constitucional para alterar o freio da dívida, a versão local do teto de gastos. Assim, exclui desse limite despesas com defesa e € 500 bilhões (R$ 3,1 trilhões) com infraestrutura.

Foram 512 votos a favor, 23 a mais do que o necessário. Outros 206 deputados foram contra; não houve abstenções. Em sua última sessão como presidente do Parlamento, Barbel Bäs havia anunciado números diferentes ao declarar o resultado (513 e 207), que acabaram sendo retificados mais tarde.

“Há pelo menos uma década temos uma falsa sensação de segurança”, disse Merz, em discurso no plenário antes da votação. “A decisão que estamos tomando hoje (…) não pode ser nada menos do que o primeiro grande passo em direção a uma nova comunidade de defesa europeia”, declarou.

Uma derrota do projeto, anunciado de modo surpreendente durante o Carnaval, poderia custar até mesmo seu futuro posto de primeiro-ministro, avaliam observadores, pois inviabilizaria boa parte das negociações em torno da formação do próximo governo. Motores do pacote de estímulo, os conservadores da aliança CDU/CSU de Merz e os sociais-democratas do SPD, do atual premiê, Olaf Scholz, caminham para formar uma nova “grande coalizão”, como é chamada a união dos maiores partidos na política alemã.

O novo governo e a aclamação de Merz como primeiro-ministro devem ocorrer perto da Páscoa, em meados de abril.

O último grande obstáculo ao pacote de estímulo ganhou solução ainda na noite de segunda-feira (17), quando o Tribunal Constitucional Federal recusou todas as ações contra a votação. A AfD, o partido de extrema direita, o FDP, a sigla liberal, e A Esquerda haviam apresentado ações contra a votação. O principal argumento era o de que o projeto foi submetido ao Parlamento atual, não ao eleito, que toma posse na próxima semana.

Merz e aliados defendiam que o tema, uma discussão quase teórica durante a campanha eleitoral, havia ganhado caráter de urgência depois que Donald Trump se propôs a forçar a Ucrânia a um acordo de paz com a Rússia, nas últimas semanas.

Dias antes das eleições parlamentares na Alemanha, na Conferência de Munique, J. D. Vance antecipou o tom do debate transatlântico ao afirmar que via a repressão ao discurso dos partidos populistas, AfD à frente, como um risco maior à segurança europeia. O discurso do vice-presidente americano foi recebido como um ultraje por diversos líderes europeus e virou reação institucional na Alemanha
Líder do SPD, Lars Klingbeil resumiu a questão em seu discurso no Bundestag: a Europa tem de um lado “uma Rússia agressiva” e, do outro, “EUA imprevisíveis.”

No atual Parlamento, Merz contou com os votos de sua aliança conservadora, dos sociais-democratas e dos Verdes, que juntos compuseram uma maioria constitucional de mais de dois terços. Na 21ª legislatura, que será empossada na próxima terça (25), AfD e Esquerda terão peso suficiente para um bloqueio de minoria. Nos moldes atuais, o pacote dificilmente seria aprovado no próximo Bundestag.

Ainda que soe razoável, a crítica de que o Parlamento atual seria menos legítimo para aprovar instrumentos constitucionais não encontra respaldo na Lei Básica, dizem especialistas. A Carta prevê plenos poderes ao Bundestag antigo até que o novo assuma justamente para evitar vazios de poder, tão comuns em sistemas parlamentaristas. Da mesma forma, Scholz continua empoderado como primeiro-ministro até que o próximo, Merz, seja aclamado pela nova Casa, formada pelos deputados eleitos em fevereiro.

O pacote de estímulo agora precisará ser aprovado no Bundesrat, o Conselho Federal, na sexta-feira (21).

A câmara alta do Parlamento alemão é composta por representantes dos 16 estados e aprova matérias que os afetam. O projeto prevê uma flexibilização na regra de endividamento dos estados e, ao que tudo indica, já contornou boa parte das resistências.

O maior risco à iniciativa continua sendo a via judicial. O FDP anunciou ações nos cinco estados em que participa do governo para barrar o projeto no Bundesrat. A legenda, defensora incondicional do freio da dívida, não alcançou a cláusula de barreira de 5% e está fora do próximo Parlamento.

A confirmação do pacote de Merz pode ter consequências imediatas. Scholz quer liberar no mesmo dia um repasse de fornecimento de armas para a Ucrânia no valor de € 3 bilhões (R$ 18,6 bilhões), que vem sendo preparado há algum tempo, apesar da falta de financiamento. O atual e o futuro premiê conversaram sobre o assunto na manhã desta terça (18).

Em visita a Berlim, Emmanuel Macron parabenizou o Bundestag “pelo dia histórico”. Segundo o presidente francês, a aprovação era “boa notícia para a Alemanha e para a Europa”. O projeto também recebeu elogios da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e de Mette Frederiksen, premiê da Dinamarca, alvo preferencial de Trump por causa da Groenlândia.

Apenas o fundo de infraestrutura pode estimular a economia alemã a uma média superior a dois pontos percentuais anuais pelos próximos dez anos, segundo avaliação do instituto DIW. O prognóstico para 2026 daria um salto de 1,1% para 2,1%. Críticos dizem que o plano é insustentável e terá fortes consequências na Alemanha, até aqui exemplo mundial de austeridade fiscal, e na Europa, que usa sua maior economia como parâmetro de endividamento.

A Fitch afirmou que a nota AAA da Alemanha pode ser pressionado se os gastos sem precedentes não forem acompanhados por medidas de consolidação.

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