Barulho e trânsito da Cidade Matarazzo criam conflito na vizinhança da Paulista

CLAYTON CASTELANI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Quando escavadeiras começaram a fazer trepidar os apartamentos na alameda residencial perto da avenida Paulista, em 2015, ainda era unânime o apoio da vizinhança à obra para criação de um complexo de luxo em meio às ruínas do hospital construído há mais de um século pelo industrial Francisco Matarazzo (1854-1937).

Dez anos depois, esses moradores contam que as benfeitorias trazidas pela Cidade Matarazzo ao valorizado trecho da Bela Vista, na região central de São Paulo, vieram acompanhadas de uma década de interdições no trânsito e noites sem dormir.

Se no início todos sabiam que a reconstrução de um quarteirão de 27 mil metros quadrados provocaria ruído constante e um frenético entra e sai de caminhões com entulho, a inauguração dos primeiros empreendimentos, em 2022, surpreendeu a vizinhança com barulhentas festas de madrugada e bloqueio do trânsito local pelos veículos de fornecedores e frequentadores.

Foi após uma recente noite em claro, com o som potente atravessando as paredes de seu apartamento, que o apresentador Danilo Gentili, 45, foi filmado arremessando um cone que bloqueava o acesso à garagem do condomínio onde mora.

“Saí para tomar café e, quando voltei, minha rua estava bloqueada”, conta Gentili. “Não sou contra a obra, nem contra o empreendimento, mas são dez anos convivendo com desrespeito e apropriação do espaço público”, reclama.

Assim como o apresentador, moradores do entorno afirmam apoiar o projeto que já consumiu cerca de R$ 3 bilhões de Alexandre Allard, o empreendedor francês que comprou o conjunto de prédios históricos onde funcionou o hospital Umberto 1º até sua desativação nos anos 1990.

Com R$ 200 milhões aplicados na restauração da enfermaria, maternidade e de outras edificações do conjunto -incluindo a igreja que ficou suspensa durante a escavação para construções subterrâneas-, a Cidade Matarazzo é, segundo especialistas, o maior projeto privado de restauro de bens tombados do país.

Após cerca de três anos de atrasos provocados essencialmente pela pandemia de Covid, o empreendimento também está perto de inaugurar seu centro de compras com lojas de grife, viabilizando a fruição pública por entre seus prédios restaurados.

Um acordo de cooperação firmado em 2022 com a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) ainda prevê a requalificação e ajardinamento da alameda das Flores, uma pequena via de pedestres que faz a ligação com a Paulista.

Mas a vizinhança não está disposta a receber tais benefícios se, em troca deles, continuar enfrentando constrangimentos como o vivido pelo farmacêutico Daniel Fantinati, 41, morador de um edifício na rua Pamplona.

Ele conta ter chamado a polícia para tentar acabar com uma noite de festa com música alta na cobertura do prédio de uso comercial e residencial que integra o complexo. Além de se recusarem a reduzir o volume, convidados da celebração passaram a vaiar e xingar moradores do entorno.

“Chamei a polícia porque meu apartamento tremia, eu estava enlouquecendo”, recorda Fantinati.

Um leilão de cavalos realizado no ano passado é outro episódio marcante dessa conturbada convivência.

Organizadores do evento colocaram os animais em um estacionamento ao lado do prédio onde mora a arquiteta Dirce Carrion, 67. “Tínhamos a sensação de estar dormindo em um estábulo, com relinchos e mau cheiro entrando pela janela”, conta.

Geradores a diesel bloqueando calçadas, água empoçada devido a defeitos na drenagem e a retirada de uma das quatro faixas da alameda Rio Claro -transformada em mão única e com obras ainda inacabadas- engrossam a lista de reclamações.

Aborrecimentos que fizeram da Cidade Matarazzo também pivô de um conflito entre vizinhos. Moradores passaram a acusar a associação de síndicos de seus condomínios, a Pró-Rio Claro, de ser conivente com as arbitrariedades que relatam.

Presidente da associação, a arquiteta Silvania Lamas, 68, diz combater os transtornos, mas conta discordar da exposição do conflito na imprensa ou de uma eventual ação judicial, uma das cobranças feitas pela vizinhança. “Preferimos o diálogo, temos esse canal aberto”, afirma.

Após a entrevista, Silvania entregou à reportagem uma ata de reunião entre a associação e a gestão da Cidade Matarazzo, realizada na véspera. No documento, os gestores se comprometem a corrigir o pavimento da alameda, acabar com o som alto após as 22h e a transferir caçambas e geradores, entre outras medidas.

Em nota, a BM Varejo, coincorporadora da Cidade Matarazzo, diz lamentar os transtornos e que compreende a necessidade de ampliar a comunicação com a comunidade. A empresa ainda explica que a Soho House e o hotel Rosewood -que concentram reclamações quanto ao barulho- possuem administração e operação independentes.

O Rosewood informou ter deixado de realizar eventos na cobertura do prédio e que monitora o volume das celebrações realizadas na sua torre residencial. O hotel ainda reconheceu os transtornos causados por seus leilões e afirmou estudar mudanças para futuros eventos.

A Soho House comunicou ter contratado uma consultoria especializada em métodos de medição de ruídos para auxiliar na identificação de irregularidades e para ajustar os equipamentos de som da casa.

Já a gestão do prefeito Ricardo Nunes afirmou que as obras estão dentro da lei e que a fiscalização de ruído tem atuado. A prefeitura ainda diz ter orientado a correção da drenagem na alameda Rio Claro.

Também informou que o trânsito irá melhorar após a conclusão de uma doca interna no empreendimento.

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