Brasil cita Venezuela e diz que OEA tem sido seletiva ao defender democracia

albert ramdin e luis almagro

MAYARA PAIXÃO
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS)

Uma troca de comando da OEA chancelada sem surpresas nesta segunda-feira (10) em Washington foi marcada por uma reiterada crítica da diplomacia do Brasil à Organização dos Estados Americanos.

O país afirmou que a instituição tem estigmatizado alguns países e que tem sido seletiva na defesa da democracia. Após a eleição do chanceler do Suriname, Albert Ramdin, para comandar a organização por cinco anos (o primeiro caribenho a fazê-lo), a secretária-geral do Itamaraty, Maria Laura da Rocha, disse que a “lógica de exclusão, estigmatização e iisolamento dos que pensam diferente voltou a dar as cartas”.

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É uma crítica que dialoga com duas ditaduras da região que, diante da pressão exercida pela OEA nos últimos anos, abandonaram esse fórum e fecharam as portas de diálogo. A própria secretária-geral as citou: a Venezuela de Nicolás Maduro e a Nicarágua de Daniel Ortega.

“A OEA perdeu legitimidade e relevância em determinados temas e viu minguar sua capacidade de aportar soluções, notadamente para crises como as da Venezuela e da Nicarágua”, disse a diplomata brasileira.

São comentários que remetem diretamente ao mandato de dez anos do uruguaio Luis Almagro como secretário-geral do grupo, que agora se encerra para dar lugar ao surinamês.

Espécie de camaleão político, Almagro, um antigo correligionário do ícone da esquerda regional José “Pepe” Mujica, priorizou críticas aos regimes autoritários da esquerda. Ele chegou a reconhecer Juan Guaidó como presidente autoproclamado da Venezuela em 2019, quando também o fez o Brasil sob a Presidência de Jair Bolsonaro.

Caracas, assim como Manágua, há anos já não dialoga efetivamente com a organização, que segue pautando debates sobre a situação nesses países, sempre sob debates acalorados.

Maria Laura da Rocha disse em seu discurso que a OEA voltou a estar “embalada por um maniqueísmo reminiscente da Guerra Fria, mas com novas roupagens”. “No lugar do diálogo, da diplomacia e da negociação, optou em certos casos pela sanção e pelo opróbrio público daqueles que foram considerados em conflito com os padrões comuns”.

Seguiu: “A defesa da democracia, tema importante, não raro foi objeto de seletividade política”.

Não são apontamentos necessariamente novos, mas ocorrem em um momento de alta expectativa pela futura gestão de Albert Ramdin, que sucede os anos turbulentos com Almagro, acusado de conflitos éticos, de danos morais contra ex-funcionários e, ainda, de um alinhamento exacerbado com Washington na tomada de decisões.

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Este último fator foi, aliás, o que costurou uma eleição sem nenhuma surpresa para a chefia do bloco. Até a semana passada, Ramdin tinha um concorrente na disputa: o chanceler do Paraguai, Rubén Lezcano.

Mas a aproximação em larga escala da administração do presidente Santiago Peña com o governo de Donald Trump fez a maior parte dos países, o Brasil entre eles, debandar do apoio ao aliado do Mercosul.

A expectativa é que o surinamês Ramdin faça um mandato mais isento, com maior diálogo com as delegações, e sem um alinhamento claro a nenhum Estado-membro. Alguns países, como a Argentina, apontam para a proximidade do Suriname com a China para criticar a escolha do novo secretário-geral da OEA.

O chanceler do Suriname, país exportador de ouro e petróleo e que convive em larga escala com o garimpo ilegal, ocupa o cargo desde 2020, convidado pelo governo de Chan Santokhi. Mais do que isso, Ramdin tem larga experiência na OEA, já que foi secretário-geral adjunto por dez anos, de 2005 a 2015.

A número 2 da diplomacia brasileira deixou a mensagem do que Brasília espera: “Qque o secretário-geral seja uma figura agregadora, um funcionário internacional que não tome partido em disputas internas ou internacionais, mas facilite diálogos, estenda pontes com todos os lados e reabra canais que foram fechados”.

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