Prostituta na W3 Norte sonha em trabalhar com moda

Por Gabriel Nunes

Na avenida W3 Norte, na altura da 703 , bairro de classe média em Brasília , vive e trabalha Kellen, ou melhor, Daniela.

Com apenas 27 anos, ela carrega a complexidade de uma história que se desenrola entre sonhos e vulnerabilidade.

“Meu nome de verdade é Kellen, mas aqui, sou Daniela. É Meu personagem,” diz.

Vinda de Janaúba, a 500 quilômetros de Belo Horizonte, Minas Gerais, ela trocou as terras do interior pela pulsante vida urbana, atraída por promessas de liberdade e oportunidades. “Eu sempre sonhei em ter uma vida diferente, mas a realidade nem sempre é como imaginamos.” 

Daniela chegou à capital federal há quatro anos, motivada por uma amiga que vive em Goiânia e contou sobre as melhores condições do Centro-Oeste.

“No início, eu trabalhava em um bar, mas a grana era pouca. Um dia, ouvi conversas sobre essa profissão e, curiosa, resolvi tentar. Foi um passo arriscado, mas eu precisava pagar as contas,” confessa, com um olhar meio apático, em uma boate na Asa Norte. 

À reportagem, Daniela conta sobre os olhares de desprezo que recebe com frequência.

O estigma é um companheiro constante. “Muitas pessoas me olham com nojo nas ruas e me xingam  dentro dos carros, sem saber a história por trás”, lamenta. 

Situações difíceis e desafiadoras são comuns para mulheres que vivem nesta profissão. Daniela afirmou ter vivido situações desafiadoras, porém se recusou a especificar quais foram.  “Já passei por situações difíceis, mas aprendi a me proteger.”

Sonhos futuros

Coincidência ou não, a W3, durante o dia, é conhecida por ter diferentes tipos de comércios, de lojas de roupas a mecânicos. Daniela compartilhou seus sonhos futuros com a reportagem.

“Um dia, quero ter minha própria loja de roupas. Sempre gostei de moda, e acredito que poderia fazer algo legal”.

A conversa com Daniela aconteceu em uma quinta-feira, em uma balada frequentada pela juventude classe média alta de Brasília, na Asa Norte.

Visivelmente desconfiada, ela decidiu ser bem curta e pragmática em suas respostas. Daniela contou que um dos melhores dias para trabalhar é na quinta, dia que essa festa acontece. “Me sinto mais segura”, contou.  

Por ser um lugar público e com pessoas mais “confiáveis”, Daniela tem mais tempo para analisar e até escolher seus clientes, algo que não é possível na W3.

Na conversa com a reportagem, Daniela utilizava um vestido preto, não curto, mas bem colado ao corpo. Visivelmente angustiada, após cerca de 10 minutos de conversa a profissional afirmou “já está bom né?”, se despedindo. Não a vimos mais na festa, que eu também deixei cerca de 30 minutos após nossa despedida. 

Estado da prostuição no Brasil 

A situação legal da prostituição no Brasil é complexa e envolve nuances significativas. De acordo com a advogada Érika Lenehr, a prostituição em si não é criminalizada, desde que não esteja vinculada a atividades ilícitas, como a exploração sexual de menores. O Código Penal Brasileiro define como crime a exploração sexual de crianças e adolescentes, tratando com rigor essa questão.

Desde 2002, o Estado brasileiro reconhece a profissão de prostituta na Classificação Brasileira de Ocupações. Essa regulamentação permite que profissionais do sexo contribuam para a previdência social, garantindo acesso a benefícios como aposentadoria e auxílio-doença. “Isto permite que quem vive da prostituição possa recolher contribuições previdenciárias, garantindo direitos comuns a todos os trabalhadores”, afirma Lenehr.

Apesar dos avanços legais, muitos profissionais ainda hesitam em se identificar como tal, seja por preconceito ou falta de informação sobre seus direitos. Essa ambiguidade impede que um número significativo de trabalhadores do sexo acesse os benefícios a que têm direito.

Na avaliação de Lenehr, a jurisprudência brasileira tem evoluído, com decisões que reconhecem direitos trabalhistas para esses profissionais. Um exemplo notável ocorreu em São Paulo, onde uma trabalhadora sexual obteve o reconhecimento de vínculo empregatício em uma casa de prostituição. Essa decisão foi fundamentada no princípio de que a prestação de serviços contínua, mesmo em contextos marginalizados, deve garantir direitos trabalhistas. 

A falta de uma regulamentação abrangente e clara sobre a prostituição impacta diretamente nos direitos humanos desses trabalhadores. A advogada destaca que a regulamentação é fundamental para garantir condições dignas de trabalho e proteger os trabalhadores contra abusos.

A Articulação Nacional de Profissionais do Sexo (Anprosex), fundada em 20 de dezembro de 2016, luta por esses objetivos.  A missão da associação é fortalecer as lideranças dos coletivos de trabalhadoras sexuais do Brasil, assim como promover debates e ações, acerca dos direitos das trabalhadoras sexuais.  Alem disso, a Anprosex desenvolve atividades e ações socioeducativas e preventivas à discriminação e à violência.

Sob supervisão dos professores Luiz Claudio Ferreira e Gilberto Costa

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