Calor extremo acelera silenciosamente o envelhecimento em nível molecular


Neste artigo, gerontóloga explica que altas temperaturas aumentam o risco de várias doenças, incluindo problemas renais e cardíacos. Adultos mais velhos são os mais vulneráveis a seus efeitos. Céu de Presidente Prudente (SP)
Lucas Dantas/g1
E se o calor extremo não apenas nos deixa exausto, mas também nos faz envelhecer mais rapidamente?
Cientistas já sabem que o calor extremo aumenta o risco de insolação, doença cardiovascular, disfunção renal e até mesmo de morte. Vejo esses efeitos com frequência em meu trabalho como pesquisadora que estuda como estressores ambientais influenciam o processo de envelhecimento. Mas até agora, poucas pesquisas exploraram como o calor afeta o envelhecimento biológico: a deterioração gradual das células e dos tecidos que aumenta o risco de doenças relacionadas à idade.
Uma nova pesquisa que minha equipe e eu publicamos na revista “Science Advances” sugere que a exposição de longo prazo ao calor extremo pode acelerar o envelhecimento biológico em nível molecular, gerando preocupações sobre os riscos à saúde de longo prazo representados pelo aquecimento do planeta.
♨️O preço oculto do calor extremo no corpo
Meus colegas e eu examinamos amostras de sangue de mais de 3.600 adultos idosos nos Estados Unidos. Medimos sua idade biológica usando relógios epigenéticos, que capturam padrões de modificação do DNA – metilação – que mudam com a idade.
A metilação do DNA refere-se a modificações químicas no DNA que agem como interruptores para ligar e desligar os genes. Fatores ambientais podem influenciar esses interruptores e alterar o funcionamento dos genes, afetando o envelhecimento e o risco de doenças com o tempo. A medição dessas alterações por meio de relógios epigenéticos pode prever com precisão o risco de doenças relacionadas à idade e o tempo de vida.
Pesquisas em modelos animais mostraram que o calor extremo pode desencadear o que é conhecido como memória epigenética mal adaptativa, ou mudanças duradouras nos padrões de metilação do DNA. Estudos indicam que um único episódio de estresse térmico extremo pode causar mudanças de longo prazo na metilação do DNA em diferentes tipos de tecido em camundongos.
Para testar os efeitos do estresse térmico nas pessoas, associamos os dados do relógio epigenético aos registros climáticos para avaliar se as pessoas que vivem em ambientes mais quentes apresentam um envelhecimento biológico mais rápido.
➡️Descobrimos que os adultos mais velhos que residem em áreas com dias muito quentes frequentes apresentaram envelhecimento epigenético significativamente mais rápido em comparação com aqueles que vivem em regiões mais frias.
Por exemplo, os participantes que moram em locais com pelo menos 140 dias de calor extremo por ano, classificados como dias em que o índice de calor excedeu 90 graus Fahrenheit (32,33 graus Celsius), apresentaram até 14 meses de envelhecimento biológico adicional em comparação com aqueles que moram em áreas com menos de 10 dias desse tipo por ano.
Essa ligação entre idade biológica e calor extremo permaneceu mesmo após levar em conta uma ampla gama de fatores individuais e comunitários, como níveis de atividade física e status socioeconômico. Isso significa que, mesmo entre pessoas com estilos de vida semelhantes, aquelas que vivem em ambientes mais quentes ainda podem estar envelhecendo mais rapidamente em nível biológico.
Ainda mais surpreendente foi a magnitude do efeito: o calor extremo tem um impacto comparável ao tabagismo e consumo excessivo de álcool na aceleração do envelhecimento. Isso sugere que a exposição ao calor pode estar acelerando silenciosamente o envelhecimento, em um nível equivalente ao de outros grandes estressores ambientais e de estilo de vida conhecidos.
😷Consequências para a saúde pública
Embora nosso estudo tenha jogado luz sobre a conexão entre o calor e o envelhecimento biológico, ainda há muitas perguntas sem resposta. É importante esclarecer que nossas descobertas não significam que cada ano adicional de calor extremo se traduz diretamente em 14 meses extras de envelhecimento biológico.
Em vez disso, nossa pesquisa reflete diferenças em nível populacional entre grupos com base em sua exposição local ao calor. Em outras palavras, tiramos uma foto de populações inteiras em um momento no tempo; ela não foi projetada para analisar os efeitos em pessoas individuais.
➡️Nosso estudo também não capta totalmente todas as formas de as pessoas se protegerem do calor extremo. Fatores como acesso a ar-condicionado, tempo passado ao ar livre e exposição ocupacional, todos desempenham um papel na formação da exposição pessoal ao calor e seus efeitos. Alguns indivíduos podem ser mais resistentes, enquanto outros podem enfrentar maiores riscos devido a condições de saúde preexistentes ou barreiras socioeconômicas. Essa é uma área em que são necessárias mais pesquisas.
O que está claro, no entanto, é que o calor extremo é mais do que apenas um risco imediato à saúde – ele pode estar acelerando silenciosamente o processo de envelhecimento, com consequências de longo prazo para a saúde pública.
Os adultos mais velhos são especialmente vulneráveis porque o envelhecimento reduz a capacidade do corpo de regular a temperatura de forma eficaz. Muitos idosos também tomam medicamentos, como betabloqueadores e diuréticos, que podem prejudicar a tolerância ao calor, tornando ainda mais difícil para o corpo lidar com altas temperaturas. Portanto, mesmo dias moderadamente quentes, como os que atingem 80 graus Fahrenheit (26,67 graus Celsius), podem representar riscos à saúde dos idosos.
À medida que a população dos EUA envelhece rapidamente e as mudanças climáticas intensificam as ondas de calor em todo o mundo, acredito que simplesmente dizer às pessoas para se mudarem para regiões mais frias não é realista. O desenvolvimento de soluções adequadas à idade que permitam que os idosos permaneçam em segurança em suas comunidades e protejam as populações mais vulneráveis pode ajudar a lidar com os efeitos ocultos, porém significativos, do calor extremo.
Eunyoung Choi tem pós-doutorado associado em Gerontologia, Universidade do Sul da Califórnia.
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Este texto foi publicado originalmente no site do The Conversation Brasil.
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