As pedras no caminho do Brasil até a estatueta

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São Paulo, 01 – Fernanda Torres, de Ainda Estou Aqui, tem uma competição difícil pela frente na categoria de melhor atriz. Demi Moore, afinal, tem conquistado os principais prêmios por A Substância, de Caroline Fargeat. Mas a vitória de Mikey Madison, de Anora, de Sean Baker, no BAFTA, fez com que especialistas começassem a considerar uma possível divisão entre os votantes do Oscar, o que, de certa forma, poderia favorecer a atriz brasileira. A competição, de toda forma, parece girar em torno das três, em especial quando se considera as polêmicas recentes que tiraram Karla Sofía Gascón da campanha pelo Oscar em seu momento mais decisivo.

Já entre os filmes internacionais, consolidou-se a noção de que o principal concorrente de Ainda Estou Aqui é Emilia Pérez, de Jacques Audiard, mas não se pode esquecer da presença na briga de A Semente do Fruto Sagrado, que foi premiado no Festival de Cannes e tem trajetória que pode ter mexido com os votantes – o filme, com críticas ao governo iraniano, foi feito em segredo e, sob ameaça de prisão, o diretor Mohammad Rasoulof precisou fugir à pé do país, indo para a Alemanha. Isso para não falar do impactante A Garota da Agulha, de Magnus von Horn, que corre por fora.

CYNTHIA ERIVO

‘Wicked’

Cynthia Erivo, de Wicked, venceu o Tony Awards em 2016 pelo musical A Cor Púrpura e foi indicada para o Oscar quatro anos depois, em 2020, por O Caminho para a Liberdade, em que interpretava a abolicionista americana Harriet Tubman. Agora, aos 38 anos, ela recebe sua segunda indicação para o prêmio, pelo papel de Elphaba, no filme que é uma espécie de prequel de O Mágico de Oz. O trabalho foi marcado pela tentativa – bem-sucedida, para a crítica – de apresentar uma performance íntima e grandiosa, rejeitando meros efeitos vocais ou se perdendo na grandiosidade da produção. “Eu não tinha a intenção de ficar só escondida atrás da pele verde”, disse ela. “Queria que as pessoas vissem a vida interior da personagem.” Mas, de acordo com as apostas dos especialistas, uma vitória sua hoje seria surpreendente.

DEMI MOORE

‘A Substância’

Demi Moore chega ao Oscar com prêmios importantes a tiracolo. O Globo de Ouro se destaca entre eles não apenas pela importância do troféu, mas especialmente pelo discurso de aceitação, que parece ter dado a chave de sua campanha a partir de então: a volta por cima de uma atriz que nunca teria sido levada a sério pela crítica e, agora, conquistava enfim o reconhecimento há tanto desejado. “O papel em A Substância exigiu de mim lutar contra os flashes da minha insegurança e do meu ego. Me pediram para compartilhar aquelas coisas que não necessariamente quero que as pessoas vejam”, ela disse ao jornal The New York Times. “Filmar em meio a esse desconforto foi um presente. Quando você põe tudo para fora, o que sobra lá dentro? Não tem nada mais para esconder. Poder me soltar assim foi outra camada de libertação para mim.”

KARLA SOFÍA GASCÓN

‘Emilia Pérez’

Karla Sofía Gascón iniciou a temporada de premiações pronta para fazer história. Venceu com o restante do elenco de Emilia Pérez o prêmio de atuação no Festival de Cannes e, em janeiro, tornou-se a primeira atriz trans a ser indicada para o Oscar. E, então, o mundo desabou à sua frente. Após insinuar uma campanha do filme Ainda Estou Aqui contra ela, comentários antigos feitos em redes sociais foram resgatados pela imprensa americana e ela foi acusada de racismo e islamofobia. A Netflix a tirou da campanha do filme, ela deixou de participar de cerimônias de premiação e ouviu críticas duras do diretor Jacques Audiard. Em seu discurso no Bafta, no entanto, o cineasta agradeceu a ela pelo trabalho. E ela recebeu sinal verde para participar da cerimônia do Oscar. Em sua busca pela estatueta, a grande questão é quanto as polêmicas fora das telas influenciaram os votantes.

MIKEY MADISON

‘Anora’

A vitória como melhor atriz no Bafta por Anora colocou o nome de Mikey Madison de novo na disputa pelo Oscar. Sean Baker, diretor do filme, começou a prestar atenção nela quando a viu no final de Era Uma Vez em… Hollywood, de Quentin Tarantino, como uma integrante da família Manson que gargalha da ideia de matar estrelas de TV com uma alegria assustadora. Mais tarde, a viu no filme Pânico. E contatou o agente dela.

Para interpretar Ani, sua primeira protagonista, Madison contou ao Estadão que leu e viu documentários sobre trabalhadoras do sexo, visitou boates e conversou com algumas profissionais. Nascida em Los Angeles, morou em Brighton Beach, Nova York, para praticar o sotaque russo. Segundo ela, Ani ter uma personalidade tão diferente da dela a ajudou. “Fica mais fácil assim. Ao mesmo tempo, precisei despender muita energia para interpretá-la.”

As últimas vencedoras entre as atrizes

2024

Emma Stone, por Pobres Criaturas

2023

Michelle Yeoh, por Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

2022

Jessica Chastain, por Os Olhos de Tammy Faye

2021

Frances McDormand, por Nomadland

2020

Renée Zellweger, por Judy, Muito Além do Arco-Íris

2019

Olivia Colman, por A Favorita

2018

Frances McDormand, por Três Anúncios para um Crime

2017

Emma Stone, por LaLaLand

2016

Brie Larson, por O Quarto de Jack

2015

Julianne Moore, por Para Sempre Alice

2014

Cate Blanchett, por Blue Jasmine

‘EMILIA PÉREZ’

França

O musical passou meses acumulando diversos prêmios ao redor do mundo – segundo o IMDb, já são 106 vitórias, em premiações como Globo de Ouro, Bafta, Critics Choice Awards e Goya. Do diretor Jacques Audiard, conta a história de uma advogada que recebe uma proposta inesperada: um líder de cartel a contrata para ajudá-lo a se retirar do negócio e realizar um plano que vem preparando secretamente há anos: tornar-se a mulher que ele sempre sonhou ser. Pesam contra o filme não apenas as declarações de Karla Sofía Gascón. Entidades ligadas à comunidade LGBTQIA+ criticam a escolha do longa de usar a identidade transgênero da protagonista como uma espécie de arco de redenção para sua ligação com o cartel de drogas. Além disso, a ausência de atores mexicanos em um filme que se passa no México também ganhou manchetes internacionais.

‘FLOW’

Letônia

A animação tornou-se um fenômeno na Letônia, que o escolheu como indicado do país para o Oscar – ele foi nomeado também para a categoria de melhor animação. E tudo começou com uma equipe pequena, um orçamento de US$ 3,6 milhões – o de Divertida Mente 2, foi de US$ 200 milhões -, e um software de computação gráfica totalmente gratuito. A trama, criada pelo diretor Gints Zilbalodis acompanha o gato, um animal solitário que tem seu lar destruído por uma grande inundação e precisa encontrar um novo refúgio. Sem saber para onde ir, ele se esconde em um barco que começa a ser habitado por diversas outras espécies. “O filme mostra que há um apetite para diferentes tipos de filmes animados. Podemos ter estúdios menores assumindo riscos maiores e tentando coisas novas. Tenho certeza de que veremos mais filmes assim”, disse Zilbalodis.

‘A GAROTA DA AGULHA’

Dinamarca

No Oscar que abraçou filmes de terror, com indicações para A Substância e Nosferatu, A Garota da Agulha representa o gênero na categoria de filme internacional. Situado na Copenhague de 1919, o longa acompanha o périplo de Karoline, uma jovem trabalhadora. Com o marido desaparecido e presumidamente morto após o fim da Primeira Guerra Mundial, ela se envolve com o patrão, mas é abandonada após engravidar. E vive uma jornada cada vez mais aterrorizante – dizer mais seria um spoiler imperdoável. O diretor Magnus von Horn abusa das referências ao cinema expressionista alemão e aos filmes noir. “Era muito importante que a história fosse imprevisível. Eu queria ser inspirado por filmes de terror e pelos horrores da vida, mas não pela estrutura desses filmes. Queria uma narrativa que soasse mais próxima de como a vida é”, explicou ele ao Estadão.

‘A SEMENTE DO FRUTO SAGRADO’

Alemanha

Mohammad Rasoulof é, hoje, um refugiado. Afinal, o cineasta iraniano Mohammad Rasoulof precisou fugir de seu país de origem após rodar o filme em segredo – o governo vinha acompanhando seus passos secretamente e descobriu que o cineasta estava não apenas fazendo um novo filme, como também havia uma boa dose de crítica contra o governo. Ele se refugiou na Alemanha, que indicou seu filme para o Oscar pelo país. A história do filme gira em torno de uma família cujo pai tem um cargo importante de juiz, mas ele se alinha às leis opressivas do regime. “Era intrigante para mim entender como alguém podia se tornar parte de um sistema que oprime seus próprios compatriotas e os coloca em situações desumanas”, explicou o diretor ao Estadão. Indicado para o Globo de Ouro, o filme venceu o prêmio especial do júri no Festival de Cannes de 2024.

Os últimos vencedores entre os internacionais

2024

Zona de Interesse (Reino Unido), de Jonathan Glazer

2023

Nada de Novo no Front (Alemanha), de Edward Berger

2022

Drive My Car (Japão), de Ryusuke Hamaguchi

2021

Druk – Mais uma Rodada (Alemanha), de Thomas Vinterberg

2020

Parasita (Coreia do Sul), de Bong Joon-ho

2019

Roma (Itália), de Alfonso Cuarón

2018

Uma Mulher Fantástica (Chile), de Sebastián Lélio

2017

O Apartamento (Irã), de Asghar Farhadi

2016

O Filho de Saul (Hungria), de László Nemes

2015

Ida (Polônia), de Pawel Pawlikowski

2014

A Grande Beleza (Itália), de Paolo Sorrentino

Estadão Conteúdo

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