Por que o Oscar reflete o medo de Hollywood com presidente Donald Trump

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NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS)

A atriz Jane Fonda usou o prêmio especial que recebeu de colegas atores do SAG Awards, no último domingo, para denunciar e erosão democrática nos Estados Unidos, na primeira reação expressiva de uma até agora silenciosa classe artística que votou em peso na democrata Kamala Harris.

No discurso feito na noite da premiação do sindicato dos atores, a atriz e lendária ativista política de 87 anos pediu empatia e exaltou a importância dos sindicatos. Mas é a noite da premiação do Oscar que oferece um palco global para a encruzilhada entre o entretenimento e a política.

Neste ano, Hollywood caminhou alquebrada para a celebração, depois que Los Angeles foi devastada pelos incêndios de janeiro. Foi um desastre que desabrigou não só estrelas, mas membros da classe profissional que forma a indústria de Hollywood, ainda em recuperação pelo choque das greves de atores e roteiristas no ano retrasado.

O anfitrião do Oscar, Conan O’Brien está vivendo num hotel desde que as chamas de janeiro chegaram a metros de sua casa, ainda de pé. O comediante, que nunca assistiu à cerimônia da plateia, não deve chegar perto do tom de seu amigo Jimmy Kimmel, que ocupou esta função quatro vezes.

Ao saber que Donald Trump havia publicado um ataque contra ele durante a transmissão, no ano passado, Kimmel olhou para a câmera, se declarou surpreso em saber que o presidente ainda estava acordado e perguntou: “Já não passou da hora de você ir para a cadeia?”

O’Brien é o menos político dos principais anfitriões de fim de noite da TV americana. Seus 28 anos à frente do show que encerrado em 2021 foram marcados por um humor que ele qualifica como “sempre verde”. As piadas devem desafiar a passagem dos anos e os ventos políticos. O convite a O’Brien coincide com um frio na espinha de Hollywood após a vitória de Trump.

A comunidade que atravessou os expurgos da caça aos comunistas com inúmeras carreiras destruídas, no começo da Guerra Fria, dá sinais de um recuo que contrasta com seu engajamento na campanha presidencial do ano passado.

O filme biográfico “O Aprendiz”, que retrata a emergência de Trump no mercado imobiliário de Nova York sob a tutela do advogado Roy Cohn, oferece um exemplo desse clima de apreensão. Sebastian Stan, que vive Trump, e Jeremy Strong, que faz Cohn, estão entre os indicados.

Após a estreia no Festival de Cannes, em maio passado, advogados de Trump mandaram uma carta aos produtores repleta de ameaças para impedir a distribuição do filme. “O Aprendiz” demorou meses para encontrar uma distribuidora, teve estreia modesta nos cinemas e hoje está disponível para streaming. Stan disse que não pôde participar de um segmento de vídeo com a revista Variety porque nenhum agente de Hollywood liberou seus atores para gravar uma conversa com ele.

O elogiado documentário “Union”, que esteve na pré-lista de indicados, ainda não conseguiu um distribuidor. O filme mostra a luta de um grupo de empregados que tentam organizar um sindicato num depósito da Amazon. O mesmo destino teve “Sem Chão”, aclamado pela crítica, que documenta a resistência de uma comunidade palestina à expulsão da Cisjordânia.

É cedo para saber se o ambiente de medo que marcou Hollywood no final dos anos 1940 pode ser comparado ao presente. Uma diferença, diz Michael Schulman, historiador especializado no Oscar, é a maneira como o presidente usa a intimidação individual contra seus críticos, algo amplificado pelas redes sociais.

Mas quem viu George Clooney atuando quase como político eleito, ao pedir a renúncia da candidatura de Joe Biden no ano passado, deve observar que houve, historicamente, períodos de passividade entre indignação coletiva e expressão artística. Vários anos se passaram entre a emergência de Adolf Hitler e a produção de cinema que denunciava o antissemitismo.

Com os estúdios dominados por temerosos executivos judeus, havia um código de silêncio sob o apelido infame de “nazi neutral” -neutralidade sobre nazismo. A primeira premiação do Oscar após a invasão da Polônia, em 1939, foi varrida pelas 12 estatuetas de “E o Vento Levou”.

O historiador John Sbardellati lembra que a cautela já era o tom de uma Hollywood cujo poder era muito mais vasto no período pós-guerra, sem a concorrência de televisão, do streaming e das redes sociais. Ele destaca um comentário popular daquele período, atribuído a Eric Johnston, o presidente da Motion Picture Association of America, como reação ao HUAC, sigla em inglês para o House Committee on Um-American Activities, o comitê da Câmara que investigou atores, diretores e roteiristas acusados de vínculos com o Partido Comunista americano.

“Não haverá mais ‘Vinhas da Ira'”, Johnston teria prometido aos deputados, em 1947, citando o filme baseado no clássico de John Steinbeck, uma crônica de fazendeiros sob a Grande Depressão, parte de uma safra de filmes de temas sociais.

A promessa foi de certa forma cumprida ao longo da década seguinte. Sbardellini é autor de “J. Edgar Hoover Goes to the Movies: The FBI and the Origins of Hollywood’s Cold War”, uma exaustiva história do foco da polícia federal americana em figuras que considerava de esquerda.

O mais proeminente deles era Charlie Chaplin. Ele foi um milionário britânico que jamais se filiou ao Partido Comunista, mas filmes seus como “O Grande Ditador”, de 1940, e especialmente “Monsieur Verdoux”, de 1947, levaram ao cancelamento de seu visto de trabalho nos Estados Unidos, em 1952, e ao exílio na Suíça.

Seria o atual presidente americano o vento nas velas do extraordinário crescimento da simpatia por Fernanda Torres e “Ainda Estou Aqui”? “Com certeza,” diz Schulman. “O filme repercute em todo mundo por causa do crescimento do autoritarismo. Quando assisti, pensei no pesadelo que seria a vida numa ditadura, o que pode vir a acontecer.”

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