Orçado em R$ 45 milhões, ‘Ainda Estou Aqui’ tem valor de campanha incalculável

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

No debate sobre “Ainda Estou Aqui” em Los Angeles, foi o ator Sean Penn quem apresentou Walter Salles, Selton Mello e Fernanda Torres. Em Paris, à frente da sessão de perguntas e respostas com o diretor brasileiro estava o cineasta Olivier Assayas. Em Roma, o posto coube à atriz Valeria Golino.

Em Berlim, não havia ninguém da equipe, mas Wim Wenders topou ser o anfitrião da pré-estreia. Em Gold Coast, na Austrália, Mello, que está no país filmando “Anaconda”, foi convidado pelo distribuidor local para apresentar a sessão de lançamento.

“Não existe ‘a’ campanha para o Oscar. Não existe esse suposto orçamento da campanha”, diz o produtor Rodrigo Teixeira, que estreou na premiação com os longas-metragens “Frances Ha”, de 2012, e “Me Chame pelo seu Nome”, de 2017, produzidos fora do Brasil.

“Se há uma estratégia nisso que chamam de campanha é fazer com que o filme seja visto pelo maior número possível de pessoas”, acrescenta, por videoconferência, de Los Angeles, a produtora Maria Carlota Bruno, que está na VideoFilmes, empresa de Salles, desde 1989. Ao tentar dar forma ao movimento que começou a tomar corpo no Festival de Veneza e se agigantou, ela vê à sua frente uma “colcha de retalhos”.

O que se torna claro, conforme se destrincha o caminho da produção até o Oscar, é que não há uma campanha centralizada, com valores investidos por uma única empresa, como acontecia no modelo criado por Harvey Weinstein na empresa Miramax. E mais: esse caminho começou a ser pavimentado no desenho do financiamento.

O valor do orçamento do longa não é público, por se tratar de um investimento privado e haver cláusulas contratuais de sigilo -não houve uso de verba pública e captação via Lei do Audiovisual. No entanto, em anonimato, profissionais ligados à produção dizem que o valor foi de R$ 45 milhões, e não US$ 1,5 milhão, ou R$ 8 milhões, como consta no site IMDb, especializado na indústria audiovisual.

O projeto começou a ser gestado em 2015, quando Salles leu o livro de Marcelo Rubens Paiva. O roteiro passou a ser desenvolvido em 2017 e, em 2021, foi apresentado no mercado no Festival de Cannes. A partir daí, houve pré-vendas dos direitos do filme para distribuidores independentes de 21 territórios. Essas vendas financiaram parte dos custos de produção.

À frente delas estava o agente de vendas francês Vincent Maraval, presidente da Goodfellas, que representou, por exemplo, “A Viagem de Chihiro”, “A Marcha dos Pinguins” e “O Artista” -vencedores do Oscar- e “Diários de Motocicleta”, também de Salles.

Quem trouxe Maraval para perto foi Martine de Clermont-Tonnerre, da Mact Films, que coproduziu “Central do Brasil”, em 1998. Em “Ainda Estou Aqui”, a Mact assumiu os custos de pós-produção e firmou parcerias com Canal Plus, Studio Canal e o canal ARTE.

No festival francês, Salles se encontrou com Michael Barker, presidente da Sony Classics. “Demos a palavra que a Sony Classics seria o primeiro distribuidor norte-americano a assistir ao filme, reatando a parceria de ‘Central do Brasil'”, diz a produtora. Foi também a Sony Classics que lançou, nos Estados Unidos, “O Quatrilho” e “O Que É Isso Companheiro?”, indicados ao Oscar.

Neste mesmo 2021, juntou-se ao projeto, ao lado da VideoFilmes e da Mact, a RT Features, de Rodrigo Teixeira, que trouxe com ele o Globoplay. Todos foram, nas palavras da produtora, não apenas financiadores, mas “interlocutores criativos importantes”.

Com os recursos levantados, a equipe chegou ao set em meados de 2023, para quatro meses de filmagens. Nesse mesmo ano, a investidora americana Library Pictures adquiriu uma garantia pelos direitos nos Estados Unidos.

Barker assistiu ao filme em abril do ano passado, durante a montagem, em Paris, e fechou a compra dos direitos para Estados Unidos e outros territórios. Na sequência, a subsidiária Sony Pictures Brasil se tornou a distribuidora local.

A partir desse ponto, a história é bem conhecida. Premiado em Veneza e estouro de bilheterias ao estrear no país, em novembro passado, “Ainda Estou Aqui” começa a repercutir no exterior. O filme passou por mais de 50 festivais, onde foi visto pelos críticos que votam no Globo de Ouro e por membros da Academia Internacional de Cinema, que votam no Oscar.

Vendido para 33 países -muitos da América Latina e da Europa, mas também China, Japão, Nova Zelândia, Israel e Indonésia-, o título, após o Globo de Ouro e as indicações ao Oscar, se tornou um produto com muito potencial comercial.

Com isso, os distribuidores passaram a investir mais nas campanhas locais. Também por isso, o orçamento de divulgação na disputa pelo Oscar é incalculável. São comuns, inclusive, os cartazes nos quais o número de espectadores no Brasil é usado como chamariz -nesta semana, o filme chegou a 5,2 milhões de espectadores no país, somando mais de R$ 120 milhões na bilheteria internacional.

A aposta no cinema se tornou um dos trunfos de “Ainda Estou Aqui”. O único contrato com uma plataforma é aquele com o Globoplay, que prevê um período de cinco meses entre a estreia nas salas e a chegada ao streaming. É uma obra disponível apenas na sala de cinema -nem para os votantes dos prêmios houve maneira de assistir pela internet.

Na Europa, o que houve, em vez de uma campanha propriamente dita, foi o lançamento em diferentes países -quase sempre, no momento ideal para que o filme fosse visto por votantes da Academia.

A Sony Classics, por sua vez, investiu mais em projeções e debates do que em anúncios de TV ou festas e jantares. “Foi uma estratégia centrada na discussão sobre cinema, e sobre o filme”, afirma a produtora.

“Até o anúncio das indicações, Fernanda e Walter participaram de mais de 50 debates.”
Nos Estados Unidos, foi contratada, para o trabalho de relações públicas, a ID, com sede Los Angeles.

“São, na prática, várias coordenações, e a gente vai se relacionando com cada uma delas”, diz Anna Luiza Muller, assessora de imprensa que também foi responsável pela divulgação de “Central do Brasil” e “Cidade de Deus”.

Naquele momento, lembra Bruno Wainer, distribuidor de ambos os filmes, havia dois figurões de Hollywood trabalhando pelas indicações -Arthur Cohn e Harvey Weinstein. Hoje, observa ele, os votantes do Oscar estão espalhados pelo mundo, o que muda o jogo.

O que Wainer aprendeu, à altura, é que, mesmo tendo por perto quem “conhece o caminho das pedras do Oscar”, não existe mágica. “Tudo, no fundo, depende sempre do filme”, diz. “E hoje Walter Salles faz parte da realeza do cinema mundial, não pelo dinheiro que ele tem, mas pela carreira. Dinheiro por dinheiro muita gente tem em Hollywood.”

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