Países aprovam plano para mobilizar recursos para biodiversidade na COP16

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GIULIANA MIRANDA
ROMA, ITÁLIA (FOLHAPRESS)

Após negociações tensas nesta quinta-feira (27) que se arrastaram até depois da meia-noite, a prorrogação da 16ª Conferência da Biodiversidade das Nações Unidas, a COP16, acabou com acordo sobre a mobilização de recursos.

O desfecho positivo, quatro meses após o encontro ter sido interrompido abruptamente em Cali, na Colômbia, justamente por conta do impasse financeiro, foi recebido com longos aplausos na plenária final.

Os países, que voltaram a se reunir nesta semana em Roma, na Itália, concordaram em adotar um plano de trabalho de cinco anos com o objetivo de destravar o financiamento para a biodiversidade.

Um dos maiores pontos de fricção entre os delegados, a possibilidade de criação de um fundo para a biodiversidade, defendida pelo Brasil e pelos outros países em desenvolvimento, também ficou para ser decidida mais para a frente.

“É muito importante que a COP da CDB [Convenção sobre Diversidade Biológica] tenha logrado adotar todas as decisões pendentes nesta sessão reconvocada. Conseguimos aprovar os ‘mapas do caminho’ para a necessária discussão de como suprir a lacuna de financiamento para a biodiversidade e para, finalmente, construir a estrutura institucional e permanente do Mecanismo Financeiro da Convenção”, disse à reportagem a chefe da delegação brasileira, a líder da delegação Brasileira, a embaixadora Maria Angélica Ikeda, diretora do departamento de Meio Ambiente do Itamaraty.

Embora as partes tenham concordado, ainda na COP15, em ter um financiamento de US$ 200 bilhões por ano até 2030 para a proteção da natureza, incluindo US$ 30 bilhões vindo dos países desenvolvidos, os desembolsos atuais estão bastante aquém deste valor. Dados mais recentes indicam que o Fundo Global de Biodiversidade tinha cerca de US$ 407 milhões (R$ 2,3 bilhões).

Embora tenha deixado muitos países em desenvolvimento com sensação de não ter impacto imediato no financiamento para a biodiversidade, o resultado da COP16 foi considerado um avanço por observadores e muitas organizações ambientais.

“Este é um grande feito. Apenas concordar em concordar pode não ser algo muito sexy, mas essa é a essência do multilateralismo. Isso mostra que a confiança no sistema ainda funciona e que ainda podemos continuar avançando, disse Bernadette Fischler Hooper, líder de advocacy global do WWF, que relembrou que este ponto “quase levou a COP15 em Montreal ao colapso”.

O texto aprovado trouxe também a criação de um diálogo entre os ministros da Fazenda: um formato já presente nas negociações climáticas, mas ainda inédito para a biodiversidade.

A delegação brasileira teve atuação decisiva para desatar o nó das finanças. Representando os membros dos Brics (grupo de países em desenvolvimento que neste ano é presidido pelo Brasil), os diplomatas apresentaram, na manhã desta quinta-feira, último dia das negociações, uma proposta alternativa ao texto de trabalho elaborado pela presidência.

O documento agradou países ricos e em desenvolvimento, e muito de sua estrutura acabou avançando para o texto final.

“Os Brics preencheram um claro vazio nas negociações: a proposta de solução de compromisso apresentada pelo Brasil, como presidente do grupo, foi aceita de forma rápida pelos diferentes grupos envolvidos nas discussões como base para as negociações. Em uma tarde, tivemos uma decisão sobre mobilização de recursos acordada por todos. Foi uma importante iniciativa do grupo e da Presidência brasileira dos Brics, que contribuiu muito para o êxito desta reunião”, disse a embaixadora Maria Angélica Ikeda.

Na reta final das negociações o centro das tensões foi a redação da frase que versava sobre a acessibilidade dos recursos. Inicialmente, a União Europeia queria a eliminação da menção de que eles seriam acessíveis “de maneira justa, oportuna, simplificada, equitativa, inclusiva e não discriminatória” a todas as partes elegíveis da convenção.

Esse é especialmente sensível para o acesso aos recursos por parte, por exemplo, de países alvos de sanções.

O Brasil e outras nações em desenvolvimento, no entanto, pressionaram de manter a redação com esse detalhamento sobre não discriminação explícito.

“Não queremos discriminar ninguém. Não é dessa maneira que nós queremos acessar os fundos, excluindo os outros. Por solidariedade, nós queremos que todos sejam elegíveis”, disse, durante a plenária, Maria Angélica Ikeda.

Embora a Convenção sobre Diversidade Biológica preveja, desde sua adoção, há mais de 30 anos, a criação de um fundo específico, isso ainda não aconteceu.

Pensado como solução temporária, o uso do Fundo Global para o Meio Ambiente, mais conhecido pela sigla em inglês GEF, que contempla também outros tipos de financiamento da área ambiental, vem sendo usado desde então.

Nações em desenvolvimento defendem a existência de um novo mecanismo, mas o grupo dos países ricos, responsáveis por aportar os recursos, têm sido refratários à ideia, pedindo o reforço do sistema já existente.

Mais uma vez adiada, a discussão sobre a criação do novo mecanismo continuará como um dos pontos mais sensíveis da agenda futura.
Ainda assim, o clima nos corredores da COP16 e entre ambientalistas foi de comemoração.

Várias delegações, da União Europeia à Jamaica, agradeceram e elogiaram a atuação e as soluções apresentadas pela presidente da COP16, Susana Muhamad. A conferência marcou seu último ato como ministra do Meio Ambiente da Colômbia, cargo do qual pediu demissão há três semanas, em meio a uma crise política no governo de Gustavo Petro.

Ainda no primeiro dia da cúpula, na terça-feira (25), foi aprovado o lançamento de um fundo que mobiliza, de forma inédita, recursos do setor privado para remunerar países e comunidades locais, o chamado Fundo Cali.

Apresentado como um “divisor de águas para o financiamento da biodiversidade”, o mecanismo, com adesão voluntária, ainda não integrou, porém, oficialmente nenhuma empresa. Ele pretende promover um compartilhamento mais justo e equitativo dos benefícios gerados pelo uso de dados digitais de recursos genéticos, mais conhecidos pela sigla em inglês DSI (informação de sequência digital).

O Fundo Cali destinará pelo menos 50% dos valores aos povos indígenas e comunidades locais, “reconhecendo seu papel como guardiões da biodiversidade”.

A iniciativa visa principalmente grandes empresas de setores altamente dependentes do uso de DSI, incluindo as indústrias farmacêutica, de cosméticos e de biotecnologia. O fundo propõe que as companhias contribuam com 1% de seus lucros ou com 0,1% de suas receitas.

“Nós criamos uma resposta a um desafio que a tecnologia nos impôs”, disse Muhamad na terça, destacando que o Protocolo de Nagoya, que entrou em vigor em 2014, já prevê que as empresas recompensem os países pelo uso da biodiversidade.

“Porém, com o advento da era digital e o avanço tecnológico, esses bancos de dados globais passaram a disponibilizar online o DNA e os recursos genéticos digitais, que são usados pelas empresas para desenvolver seus produtos. Se não utilizam o recurso genético físico, as empresas podem simplesmente acessar os bancos de dados e usar as sequências genéticas digitais, deixando de compensar os governos que zelam por essa biodiversidade”, completou.

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