Esgotamento que transborda: Segundo especialista, o burnout pode gerar sérios prejuízos à saúde mental e física

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Por Paulo Gontijo

“A minha experiência com o burnout é como se eu fosse um copo. Sinto que uma cachoeira está constantemente derramando água dentro de mim”. Nessa cachoeira que Luana Salles, de 25 anos, vive, a pressão é incessante. É como se a água continuasse a entrar, um transbordo de emoções. “Sempre que tento colocar o copo em pé, ele cai de novo, rolando e derramando tudo que eu estava tentando segurar. Corro atrás dele, tento estabilizá-lo, mas mesmo quando consigo colocá-lo de volta no lugar, ele não se mantém em pé”. Essa luta, para ela, parecia não ter fim.

Essa profissional, que preferiu ser identificada como Luana, é produtora de audiovisual em uma empresa em Brasília. Ela viveu uma crise que reflete um problema relacionado à saúde mental típico das pressões profissionais dos nossos dias: o burnout.

Burnout é uma síndrome de esgotamento emocional, físico e mental provocada por estresse crônico, especialmente no ambiente de trabalho. Segundo a psicóloga clínica Carla Carvalho, a síndrome pode afetar qualquer profissional, não apenas aqueles de áreas mais visíveis, como a produção audiovisual.

Para Luana, o esgotamento vai além do físico. Aproxima-se de um cansaço da alma. O coração antes pulsante, agora carrega um peso, como um “pote até aqui de mágoa”, acumulando frustrações e pequenos descuidos que somados, podem ser o que falta para transbordar. 

A encher 

Luana sempre foi apaixonada por câmeras e decidiu, em 2022, seguir a carreira na área audiovisual, acreditando que poderia contribuir de maneira significativa para o mercado de trabalho. No entanto, a realidade se revelou muito diferente do que esperava. 

A dinâmica do seu trabalho era híbrida. Ter os equipamentos em casa funcionava como um ímã, que a atraia para frente do computador. O que deveria ser oito horas de jornada, frequentemente se estendia para 11 ou 12 horas. Os almoços eram reduzidos a 20 ou 30 minutos, seguidos por uma “sobremesa” de tarefas acumuladas. A pressão para entregar resultados rápidos aumentava a cada dia. “Eu fazia o que os gerentes faziam, tomava decisões administrativas e criativas que não me cabiam, tais decisões que tinham consequências na empresa” relembra, destacando a discordância entre suas responsabilidades e seu salário de pouco mais de R$1.500, o mesmo de um estagiário que trabalhava menos da metade que a filmmaker.

As exigências que enfrentava não se restringiam ao horário de trabalho. Com frequência, planejava compromissos pessoais, acreditando que poderia distrair sua mente em momentos de lazer e equilibrar suas responsabilidades profissionais e sua vida fora do trabalho. Mas, essas intenções eram constantemente frustradas por chamadas inesperadas. “Meus horários eram muito inconsistentes”, explica, refletindo sobre a imprevisibilidade que se tornou sua nova realidade. 

O copo encheu até a borda

Luana acordava todas as manhãs sem ânimo, levantava para trabalhar mesmo desejando continuar deitada pelo resto do dia. A exaustão havia se instalado tanto no corpo quanto na mente.  “Eu estava cansada ao ponto de só querer me enrolar no chão e dormir. Dormir ao ponto de que o prédio poderia cair e eu continuaria dormindo. Mas ao mesmo tempo, quando eu acordasse, continuaria cansada e frustrada”.

Nessa altura do campeonato, Luana já fazia parte dos 30% dos trabalhadores brasileiros que sofrem com a síndrome de burnout. Esse dado corresponde à pesquisa publicada em 2023 pelo Jornal da Universidade de São Paulo (USP). Mas esse número mudou. Aumentou. De acordo com uma reportagem da Forbes de 2024, uma pesquisa envolvendo aproximadamente 7.500 trabalhadores em tempo integral mostrou que 67% deles enfrentavam algum nível de burnout. Dentre esses, 23% relataram estar constantemente esgotados, enquanto 44% se sentem esgotados de forma ocasional.

O copo transbordou

A gota d’água veio quando Salles teve que atender uma demanda mesmo não estando disponível. “Eu falei que não tinha tempo, mas meu ‘não’, não foi ouvido e nem respeitado.”

O desespero a levou a passar um dia inteiro chorando, não por tristeza, mas por um sentimento de exaustão profunda que se transformou em uma verdadeira crise emocional. Seus sentimentos oscilavam entre o desejo de explodir e a vontade de desaparecer, era como um copo d’água prestes a transbordar. E, inevitavelmente, transbordou.

Essa pressão incessante não só impactou sua vida profissional, mas também invadiu sua vida pessoal. Nos poucos finais de semana sem compromissos, Luana se entregava ao sono durante todo o dia, mas, mesmo assim, não conseguia recuperar suas energias. “O ciclo no trabalho estava me influenciando diretamente fora do trabalho. Eu chegava em casa e não tinha tempo de comer, porque já estavam me demandando para outros projetos.”

O estado de sua casa refletia o caos interno que estava vivenciando. “Estava de cabeça para baixo”, diz, sentindo-se incapaz de relizar as tarefas mais básicas. Sua saúde mental começou a deteriorar. “Eu caía e parecia que ainda não estava no chão. Podia ser mais fundo”

Além do físico

As consequências do burnout não foram apenas emocionais. Afetaram também a saúde física. Luana passou de 80 quilos para um pouco mais de 100. Ao entrar de férias, percebeu que sem mudanças significativas na sua alimentação, voltou ao seu peso de costume. 

“Eu senti uma mudança muito grande no meu peso e na minha forma. Eu não me alimentava direito, comia duas vezes por dia.”

A ansiedade e a pressão constante a levaram a perder o controle sobre sua alimentação e bem-estar. Para a psicóloga Carla Carvalho, o burnout pode trazer sérios prejuízos à saúde mental e física a longo prazo.

“A síndrome ocorre como uma exaustão profissional. O que tange a saúde mental, as pessoas desenvolvem transtornos de ansiedade e depressão, gerando desmotivação e incapacidade de lidar com as demandas diárias. Além disso, a irritabilidade aumenta, e pequenas situações podem

provocar reações exageradas, evidenciando uma baixa tolerância ao estresse. O burnout é um problema complexo que, se não tratado, pode deteriorar significativamente a qualidade de vida”.

Sobre a saúde física, a psicóloga afirma ainda que o corpo reage e a pessoa pode desenvolver distúrbios gastrointestinais, dores estomacais, úlceras e problemas de digestão, além do sistema imunológico estar enfraquecido e mais suscetível a infecções e doenças.

A decisão de Mudar

Luana ouvia diariamente de seus superiores que as coisas iriam melhorar, mas, a cada novo dia, suas frustrações só aumentavam. As demandas surgiam de todos os lados, e a sensação de estar presa em um ciclo vicioso a deixava cada vez mais exausta e desmotivada. Para escapar desse cenário, Salles via apenas uma alternativa: deixar a empresa. “Eu comecei a perceber que a coisa não estava bacana a partir do momento que sair era a melhor opção do que tentar brigar por um lugar melhor. “, disse ela. 

Em uma tarde, decidiu colocar seus sentimentos em uma carta, a de demissão. Ainda que a decisão despertasse muitas dúvidas — como pagaria as contas e o aluguel? — só havia uma única certeza: alívio. Como se um fardo tivesse sido retirado de seus ombros.


O copo se manteve de pé

Quando questionada se conseguia definir o burnout em três palavras, Luana respirou fundo por um minuto e 13 segundos, passou a mão de forma suave na testa e definiu que as palavras eram exaustão, frustração e angústia. 

O copo pode não permanecer sempre em pé, mas, com cuidado e atenção, Luana descobre que é possível manter um equilíbrio, um lembrete de que, mesmo nas tempestades, há sempre a possibilidade de recomeço.

Nesse jogo incessante, a água transborda até o copo cair, derramando emoções sufocadas. O que a mantém ereta, agora, é a luz da conscientização, um farol em meio à tempestade, enquanto busca apoio e define limites em sua vida.

Em meio a batalha que ainda se desenrola, seu relato é um convite para que todos olhem para dentro. Em um mundo onde as demandas são mais importantes que saúde mental, e jornadas longas de trabalho são mais frequentes que horas de lazer, a história de Luana é um lembrete poderoso: a gota d’água pode nos levar ao abismo, mas não significa que é o fim. Para Luana, a luta continua. A busca por apoio e a definição de limites são fundamentais enquanto ela ainda se esforça para encontrar um recomeço saudável.


Sob supervisão dos professores Luiz Claudio Ferreira e Gilberto Costa

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