Atraso no alerta de chuva expõe desafio da previsão climática no Brasil

CLAYTON CASTELANI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Início da tarde da última quarta-feira (19) e imagens de radares projetadas no telão na sala do CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências), dentro do Palácio dos Bandeirantes, mostram o céu limpo no território paulista. Mas o meteorologista William Minhoto, 36, está atento às nuvens a nordeste do estado, que se aproximam pela divisa com Minas Gerais.

Uma mancha lilás no interior da formação indica acumulado de chuva próximo a 100 milímetros, algo capaz de causar transtornos caso avance para a densamente habitada região metropolitana de Campinas.

“Não é preocupante porque está perdendo força”, comenta, após alguns instantes de observação. Cinco minutos depois, a imagem atualizada confirma a dissipação sobre a serra da Mantiqueira. Apesar da segurança adquirida ao longo de dez anos de atuação no CGE, Minhoto diz não descartar surpresas com mudanças repentinas no tamanho e direção de potenciais tempestades.

Projeções de radares mostram de forma eficiente o que há dentro das nuvens, mas demoram até 15 minutos para serem renovadas. O intervalo deixa momentaneamente o observador no escuro e, quando a atualização surge, o prazo para a decisão de disparar alertas emergenciais para a população é curto.

Na véspera, Minhoto decidiu enviar um alerta sobre o risco de chuva de granizo na região central da capital paulista. Ele redigiu o texto, limitado a 150 caracteres, disparado à tarde pelo ainda novo serviço de “cell broadcast”, utilizado pela primeira vez no país no Natal de 2024 e, na capital paulista, há quase um mês.

O sistema demora 4 minutos para sinalizar uma mensagem de perigo na tela de telefones celulares conectados a antenas no perímetro considerado de risco. Mas na terça-feira passada (17), quando o alerta apareceu para os usuários, pedras de gelo já tinham caído sobre quem transitava pela área. A equipe do CGE viu seu trabalho ser criticado nas redes sociais.

“Talvez tenha chegado tarde para quem estava na Santa Cecília, mas pode ter funcionado em Higienópolis”, comentou, dando como referência bairros vizinhos na região central paulistana.

Ainda naquela terça, às 20h14, um novo alerta foi disparado para a zona norte da capital, uma hora antes de uma motorista de aplicativo morrer dentro do carro submerso em uma avenida do bairro Freguesia do Ó. A avaliação do comando da Defesa Civil, subordinada ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), é de que o aviso antecipou o alagamento e pode ter evitado que mais pessoas se colocassem em risco.

“O cell broadcast não é uma ferramenta de previsão do tempo, mas sim para tirar pessoas da exposição ao risco”, afirma o coronel Henguel Ricardo Pereira, coordenador da Defesa Civil do Estado.

O esforço para estruturar um sistema de alerta é reconhecido por especialistas ouvidos pela reportagem, que atestam a sua capacidade de precaver a população para a formação de alagamentos ou deslizamentos, que costumam ocorrer em precipitações com duração superior a uma hora. Mas eles também afirmam que é possível e necessário melhorar o serviço.

Uma das principais estudiosas das previsões de curto prazo, segmento da meteorologia conhecido pelo termo em inglês “nowcasting”, Izabelly Costa afirma que a tecnologia disponível para meteorologistas brasileiros permitiria disparar alertas com antecedência entre 30 minutos e 1 hora.

Grandes formações extremamente perigosas, como a que provocou 65 mortes no litoral paulista há dois anos, poderiam motivar avisos com horas de antecedência, diz.

O que falta ao Brasil é a criação de grupos de meteorologistas exclusivamente dedicados a esse ramo das previsões, segundo Costa, que é coordenadora do programa de nowcasting do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

No CGE paulista, os mesmos cinco meteorologistas que fazem previsões convencionais também se dedicam às análises de curto prazo.

A diferença, explica Costa, é que a análise de curto prazo no Brasil é regional, realizada basicamente com o apoio de radares. Embora estes sejam os melhores instrumentos para “enxergar o que tem dentro da nuvem”, diz, essa informação somente surge quando a tempestade já está perto demais.

Em vez da varredura regional, um serviço estruturado de nowcasting faria o acompanhamento por tempestades, iniciando o monitoramento dias antes com imagens de satélites, não por radares. É assim que serviços europeus e americanos conseguem dar alertas com horas de antecedência.

Satélites são, no entanto, menos precisos quanto às informações sobre o conteúdo das formações. “É mais difícil ler o topo das nuvens”, diz Costa. Mas ela insiste que treinamentos específicos atenuam esse obstáculo e garantem a vantagem da análise de tempestades ainda distantes. “Não há serviço de nowcasting no Brasil”, afirma.

A Defesa Civil em São Paulo discorda da afirmação de que não possui um serviço de nowcasting, embora não o realize nos moldes descritos pela pesquisadora. O órgão também afirma manter contato com o Inpe para aprimorar o trabalho.

Satélites, radares e inteligência artificial podem melhorar previsão

Após a tragédia de São Sebastião, o governo paulista instalou um radar em Ilhabela para detectar tempestades que chegam pelo Atlântico em altitude abaixo da serra do Mar, algo que não existia no estado.

Um segundo aparelho foi instalado em Campinas, elevando para sete os equipamentos sob posse do governo estadual. Mais quatro estão previstos para serem adquiridos a um custo estimado em R$ 60 milhões.

Os novos radares atualizam informações a cada cinco minutos, ante 15 minutos dos antigos.
Ampliar o número de radares é somente um dos desafios para lidar com as consequências das mudanças climáticas.

Imagens de satélites analisadas no CGE em São Paulo, por exemplo, são geradas a partir de cálculos matemáticos realizados por supercomputadores do sistema de monitoramento europeu. Já o Inpe trabalha com a modelagem americana.

Ambos fornecem previsões satisfatórias, mas a precisão poderia aumentar se estivessem calibrados com mais dados sobre o relevo brasileiro, por exemplo.

Questões que podem começar a ser resolvidas a partir do segundo semestre deste ano, quando o Inpe prevê disponibilizar uma modelagem brasileira e contar com o início da operação de um novo supercomputador.

Diálogos com universidades e empresas de tecnologia para conectar os diversos instrumentos e serviços meteorológicos disponíveis e utilizar a inteligência artificial para a interpretação de quantidades massivas de informações é uma das missões do departamento do CGE dedicado a alertas meteorológicos.

Enquanto o aprimoramento tecnológico segue em curso, o comando da Defesa Civil descarta mudar seu protocolo para o cell broadcast. Avisos à população continuarão a ser disparados sempre que olhos humanos detectarem o perigo, nem sempre antes do início da chuva.

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