Brics ajudou a frear agenda da Ucrânia, diz Rússia

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IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O chanceler da Rússia, Serguei Lavrov, disse nesta quarta (19) que o bloco Brics foi importante para “impedir o Ocidente de impor a agenda da Ucrânia” nas discussões internacionais.

Falando à Duma, a Câmara baixa do Parlamento russo, o decano da diplomacia mundial fez um discurso de celebração, um dia depois de Donald Trump dizer que Kiev e a aliança militar Otan eram responsáveis pela invasão russa do vizinho, que completa três anos na segunda.

Lavrov elogiou Trump e disse que “Moscou e Washington precisam limpar o legado da administração [do antecessor do republicano] Joe Biden”, que segundo ele “destruiu a parceria de longo prazo” entre os países.

“Ele é o primeiro e, até aqui, o único líder ocidental que disse publicamente e em voz alta que a única causa da situação ucraniana foi a linha imprudente de administrações anteriores de atrair a Ucrânia à Otan”, disse.

Lavrov reafirmou que Moscou exige não só que Kiev se declare neutra, além das perdas territoriais já desenhadas por Putin e ao que tudo indica aceitas por Trump, mas também que a Otan retire formalmente o convite feito ao ucranianos para aderir em 2008.

O Brics, bloco fundado por Brasil, Rússia, Índia e China em 2006, e que hoje tem 11 membros plenos, foi evocado por Lavrov ao comentar o esforço russo para vender sua versão do conflito. O chanceler colocou seu argumento no contexto usual de Moscou, de um embate entre multipolaridade e hegemonia ocidental.

“Nossos parceiros no Sul Global e no leste são civilizações únicas, mas todos eles estão unidos pelo desejo por um desenvolvimento progressivo sem pressão externa. Ao mesmo tempo, devemos dizer que o Ocidente coletivo, ainda que verbalmente de acordo com a realidade multipolar, ainda quer manter a sua antiga dominância”, afirmou.

O Brasil condenou a invasão russa em duas votações na ONU, mas manteve uma posição contrária ao regime de sanções aplicado pelo Ocidente a Moscou. Na prática, incrementou seu comércio com o país de Putin, em especial na compra de óleo diesel e fertilizantes.

Como outros membros do bloco, a condenação brasileira das sanções sempre foi objeto de altos elogios em Moscou. Lavrov não detalhou, mas insinuou que essa foi a contribuição que ele percebeu do Brics no conflito.

Ainda assim, ele deixou margem para uma desavença com Trump ao dizer que os países do grupo, “seguindo iniciativa” de Lula (PT), seguirão buscando alternativas ao dólar para fazer seu comércio. O Brasil preside, de forma rotativa, o Brics neste ano.

Isso foi confundido por Trump várias vezes como a criação de uma moeda, algo já descartado, e o americano prometeu tarifas de importação caso se veja ameaçado pelo Brics. Para Lavrov, qualquer sanção nesse sentido tem de ser disputada na Organização Mundial do Comércio.

Ainda no campo político, o Itamaraty tentou fazer avançar com a China uma proposta de cúpula de paz no ano passado, em oposição à iniciativa ucraniana que excluía a Rússia -exatamente o que Trump e Putin fazem agora. Agora, o americano atropelou essa etapa, e os chineses já deram apoio às negociações.

A fala de Lavrov se encaixa com tudo o que Vladimir Putin dizia sobre o conflito na Ucrânia até aqui. Com Trump e sua abertura à Rússia, iniciada na prática com a reunião de delegações em Riad na terça (18), tudo mudou.

Críticos temem que o movimento acentue a já prevista divisão entre EUA e seus aliados europeus, favorecendo não só os russos na resolução do conflito em seus termos, mas também implodindo os arranjos multilaterais existentes.

Lavrov também afirmou que a futura cúpula entre Trump e Putin, que deverá ocorrer na Arábia Saudita, pode ocorrer antes do fim deste mês, embora não haja ainda uma previsão precisa. O próprio presidente russo disse, depois, que está pronto para a reunião, mas que há preparativos necessários.

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