Comissão diz que ouvirá famílias antes de reabrir investigação sobre morte de JK

JOSÉ MATHEUS SANTOS
RECIFE, PE (FOLHAPRESS)

A Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, órgão de Estado que tem apoio do Ministério dos Direitos Humanos do governo Lula, vai ouvir familiares dos mortos antes de reabrir apurações sobre o acidente de 1976 que matou o presidente Juscelino Kubitschek, cujas causas são motivo de controvérsia desde a ditadura.

O encaminhamento foi definido nesta sexta-feira (14).

Após ouvir familiares do presidente e do motorista do veículo de JK, Geraldo Ribeiro, os relatores vão submeter o caso para a comissão, que vai decidir se acata o pedido de investigação e a realização de novas diligências. O colegiado aprovou nesta sexta a inclusão do condutor do veículo no procedimento.

“A possibilidade de rediscussão do caso em questão será dialogada com as famílias atingidas pelo fato e analisada à luz da legislação vigente no tema memória e verdade”, diz trecho de nota da comissão obtida pela reportagem.

Os integrantes do colegiado entenderam que não há prazo “para a análise de fatos que tenham repercussão histórica”. “Assim como em todos os casos analisados pela comissão, é essencial que as famílias diretamente interessadas sejam consultadas para participarem do processo”, diz trecho do comunicado.

O pedido de reabertura da investigação do caso JK foi protocolado em 2024, após a reinstalação da comissão, por solicitação encaminhada pelo ex-vereador Gilberto Natalini, que presidiu a Comissão da Verdade Municipal de São Paulo, e pelo escritor Ivo Patarra.

Por volta das 18h de 22 de agosto de 1976, um domingo, o Opala em que estava JK, conduzido por seu motorista e amigo Geraldo Ribeiro, trafegava na altura do km 165 da via Dutra, em direção ao Rio, quando, desgovernado, atravessou o canteiro central, invadiu a pista oposta (sentido São Paulo) e se chocou de frente com uma carreta. JK e Ribeiro morreram com a colisão.

Diversas investigações buscaram elucidar por que o motorista perdeu o controle do Opala.

As conduzidas pela ditadura concluíram que logo antes da colisão o carro foi atingido por um ônibus da viação Cometa ao tentar ultrapassá-lo. Foi o mesmo veredito da CNV (Comissão Nacional da Verdade) em 2014 e de uma comissão externa da Câmara dos Deputados em 2001. Por essa versão, tratou-se, portanto, de um acidente.

Outras apurações concluíram que JK foi, na verdade, vítima de um atentado político, reunindo indícios de que não houve batida entre o Opala e o ônibus e de que o carro se desgovernou por alguma ação externa -sabotagem mecânica ou mesmo um tiro ou envenenamento do motorista.

Essa foi a conclusão das Comissões Estaduais da Verdade de São Paulo -amparada por um grupo de trabalho com pesquisadores das universidades USP e Mackenzie- e de Minas Gerais, além da Comissão Municipal da Verdade de São Paulo.

Como meio-termo, mas mais próximo deste segundo grupo, um inquérito civil conduzido pelo Ministério Público Federal (MPF) por seis anos, de 2013 a 2019, descartou que tenha havido choque entre o ônibus e o Opala, mas concluiu ser “impossível afirmar ou descartar” a hipótese de atentado, “vez que não há elementos materiais suficientes para apontar a causa do acidente ou que expliquem a perda do controle do automóvel”.

Um dos principais motivos que fizeram o governo Lula e a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos decidirem voltar a analisar o caso da morte do presidente Juscelino Kubitschek foi um lado do engenheiro e perito em transportes Sergio Ejzenberg.

Feito a pedido do Ministério Público Federal, o laudo integra um inquérito civil sobre as causas da morte de JK e do motorista Geraldo Ribeiro.

Diferentemente do que concluíram perícias anteriores (e a Comissão Nacional da Verdade), Ejzenberg atesta que não houve choque entre um ônibus da Cometa e o Opala que conduziu JK, o que aumenta o mistério sobre as causas que levaram o carro do presidente a cruzar o canteiro central da Dutra para colidir com uma carreta que vinha em sentido oposto.

Orientado por Ejzenberg, o designer especialista em 3D Ricardo Dachtelberg recriou o acidente na Dutra. Os vídeos, incorporados por Ejzenberg ao laudo técnico, integram os autos de inquérito civil, tornado público em 2021.

As animações mostram o desastre a partir de três perspectivas: do Opala, do ônibus e da carreta.

A Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos iniciou pelo Recife uma série de ações em capitais brasileiras. O colegiado foi retomado em 2024 após ter as atividades interrompidas no final de 2022 pelo governo Bolsonaro.

Na capital pernambucana, uma equipe de peritos foi a dois cemitérios da cidade -Várzea e Santo Amaro- que podem ter corpos de vítimas do regime enterrados.

Incursões semelhantes serão realizadas em Porto Alegre (16 de maio), no Rio de Janeiro (15 de agosto) e em Brasília (3 de dezembro).

Nas agendas, caso haja indícios de ossos de desaparecidos, a intenção é realizar exumações e, posteriormente, realizar exames de DNA. No caso dos mortos e desaparecidos na região do Araguaia, por exemplo, a comissão busca um laboratório para realizar os testes de DNA faltantes em ossos já exumados.

A procuradora do Ministério Público Federal disse, em janeiro, à coluna Painel, da Folha de S.Paulo, que outro objetivo da comissão é fazer um novo relatório sobre mortos e desaparecidos até o próximo ano.

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