Órfã de mãe viva…

mãe e filha

Nos últimos tempos, tenho falado muito sobre questões femininas. Afinal, estou imersa nesse universo, já que o “mundo do cuidar” é, quase sempre, feminino.

Na semana passada, fui a uma residência no Park Way, em Brasília, para uma consultoria familiar e encontrei os desafios de sempre: pais idosos que precisam se mudar para a casa da filha, pois, em suas cidades de origem, não teriam o suporte necessário. Nesse caso, vieram de Belo Horizonte. Cuidar dos pais à distância é uma tarefa quase impossível, mesmo com cuidadores contratados.

Faço consultorias para famílias de todo o Brasil, ajudando a estruturar rotinas de cuidado, adaptar residências e treinar cuidadores. Minhas orientações vão desde a organização de documentos e malas de emergência até a indicação de compras e instalação de equipamentos necessários. Meu trabalho é garantir a segurança, o conforto e a independência possível para a pessoa idosa, ao mesmo tempo em que ajudo a família a economizar e a preservar sua saúde física e emocional. Atendimentos online podem ser tão eficazes quanto os presenciais, mas, no fim das contas, eu não sou filha dessas pessoas. Sou a Dra. Ju, gerontóloga e reabilitadora.

Já quem vive a rotina do cuidado é a filha. E essa é uma relação muito mais complexa do que qualquer manual pode explicar. Mudar de cidade na velhice já é um desafio para os pais, mas também para quem os recebe.

Mas eu sou filha da Beatriz, e sei bem o que é administrar a velhice de um ente querido. Cheguei à casa da minha nova cliente e ela já estava prestes a chorar. Essa é a realidade de muitas mulheres que acompanho. Algumas tentam conter o sofrimento, outras estão à beira de um colapso nervoso ou já romperam laços com irmãos, cônjuges e filhos. Em certos momentos, sou apenas um ombro amigo. Em outros, preciso respirar fundo, ouvir desabafos e, só então, mostrar que existe uma solução.

Explico que conflitos entre famíliares fazem parte do processo e que, um dia, todos nós precisaremos de cuidados. Mas nada disso torna a experiência menos assustadora. Quando surgem doenças, a dor emocional só aumenta. O Alzheimer, por exemplo, é a principal demência que afeta idosos. Pode se manifestar precocemente, mas, em geral, os sintomas se tornam evidentes a partir dos 70 anos.

Segundo a “Alzheimer’s Disease International”, há mais de 50 milhões de casos no mundo. Esse número pode chegar a 74,7 milhões em 2030 e 131,5 milhões em 2050. E já estamos em 2025. A principal causa? Simplesmente viver mais. No Brasil, a expectativa de vida já alcançou 76,4 anos em 2023, e continua crescendo. Com isso, a demanda por cuidados também aumenta.

Muitas mulheres se veem no papel de “mãe da própria mãe”. Eu mesma estou enfrentando isso. Durante minha gravidez, minha mãe foi essencial. Com 24 semanas, tive que ficar de repouso absoluto. Ela assumiu minha casa, minhas enteadas e me deu todo o suporte. Após o parto, me permitiu mergulhar na maternidade sem preocupações domésticas. Passei a enxergá-la como uma verdadeira heroína.

Mas o tempo passou. Hoje, quando minha casa está um caos, ainda digo: “Minha mãe vem e resolve”. Mas isso já não é verdade. Ela não tem mais a mesma energia. Meu closet continua bagunçado, as compras desorganizadas, meu marido reclamando. E isso me consome.

Aceitar que chegou minha vez de cuidar dela é doloroso. Sei que outras pessoas também passam por isso e são julgadas por suas escolhas. “Por que você não leva sua mãe para sua casa?”, “Como assim internar seus pais em um residencial?”, “Por que você trabalha o dia todo com sua mãe precisando de você?”.

O que ninguém entende é que o amor não diminui, mas se tornar “orfã de mãe viva” é uma das experiências mais duras da vida. Você perde aquela figura que cuidava de você e, de repente, precisa administrar um adulto com personalidade própria, teimosia e opiniões firmes.

Você precisará negociar com irmãos ausentes, matricular seu “novo filho” em terapias, ser motorista, dar banho, alimentar e medicar, se não houver condições de contratar ajudantes.

Deus fez os bebês fofos para que tivéssemos força para cuidar deles. Mas alguns filhos não conseguem cuidar de seus pais porque também não foram cuidados. E precisamos respeitar isso. Desde que os idosos estejam seguros e amparados, cada um lida com essa fase da vida como pode.

Já vi situações sobre-humanas, como uma sobrinha que cuidou do tio que abusou dela na infância, porque a filha dele não conseguiu. Mas isso é exceção, não regra.

Se você virou “mãe” dos seus pais, faça algo por você. Divida responsabilidades, cuide do seu próprio envelhecimento. Aceite que a vida é feita de ganhos e perdas e que você controla pouco do que acontece. O que você pode controlar é seu bem-estar e o daqueles que ama.

Os lutos da vida vão além da morte física. Mudanças são pequenas mortes psicológicas que exigem adaptação. Se você está enfrentando esse processo, busque ajuda, ignore julgamentos e encontre paz nessa nova fase. A vida segue.

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