Veja os limites da atuação de vereadores na fiscalização da saúde

Uso político de visitas a unidades de saúde gera debate sobre abuso de poderReprodução/montagem

A fiscalização dos serviços públicos é uma das atribuições dos vereadores, mas até que ponto essa prerrogativa pode ser exercida dentro das unidades de saúde? Nos últimos meses, diversos casos de parlamentares que entraram em hospitais e postos de atendimento sem autorização geraram polêmicas e levantaram questionamentos sobre os limites dessa atividade.

No início de fevereiro, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) se manifestou contra a prática de políticos que entram em unidades de saúde sem autorização, constrangendo médicos e pacientes. Segundo o órgão, apenas os conselhos regionais de medicina têm competência técnica para fiscalizar o funcionamento desses locais.

“O Cremesp continuará agindo com rigor contra políticos que estão invadindo unidades de saúde, constrangendo os profissionais em seu local de trabalho e colocando em risco a vida dos pacientes para a divulgação de vídeos sensacionalistas”, afirmou o conselho. A entidade informou ainda que acionou o Ministério Público, a Câmara dos Vereadores e a Justiça para coibir essas práticas.

O que diz a legislação?

Embora a fiscalização dos atos do Poder Executivo seja uma função constitucional dos vereadores, esse direito tem limites. Em entrevista ao Portal iG, a advogada Ariane Vilas Boas, especialista em Defesa Médica e membro da Comissão de Direito Médico da OAB-SP,  afirma que a atuação parlamentar dentro de unidades de saúde precisa respeitar normas legais e éticas.

“Por ser membro do Poder Legislativo, o vereador possui o poder constitucional de fiscalizar os atos do Poder Executivo, conforme previsto no artigo 31 da Constituição Federal de 1988. Esse poder de fiscalização inclui a análise da prestação de serviços públicos municipais, como o atendimento em hospitais e unidades de pronto atendimento”, explica.

No entanto, a advogada ressalta que o que tem ocorrido em alguns casos não é uma fiscalização legítima, mas sim uma instrumentalização desse dever para autopromoção. “Quando a fiscalização perde sua finalidade original — que é garantir um serviço de qualidade à população — e passa a ser utilizada para exposição pública, especialmente em redes sociais, isso se torna incompatível com a função parlamentar, configurando inclusive abuso de poder, nos termos do artigo 28 da Lei 13.869/2019”, afirma.

Outro ponto de preocupação é a violação de direitos fundamentais, como a privacidade dos pacientes e a autonomia dos profissionais de saúde. “A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) garante a privacidade das informações confidenciais, enquanto o direito à imagem é assegurado pela Constituição Federal. No âmbito médico, o Código de Ética Médica veda qualquer interferência indevida no exercício da medicina”, reforça Ariane.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) já se manifestou contra essas invasões e classificou esse tipo de conduta como um desrespeito às normas éticas e legais.

Casos recentes reacendem o debate

Apesar das restrições legais, episódios envolvendo vereadores que ultrapassaram os limites da fiscalização têm se tornado frequentes.

Em Angra dos Reis (RJ), o vereador Greg Duarte (PL) foi até o posto de saúde ESF do Belém e flagrou um médico deixando o local para levar uma enfermeira ao ponto de ônibus. Já em Ribeirão Preto (SP), Junim Dedê (PL) visitou a UBS Oswaldo Cruz, na Vila Mariana, para conversar com profissionais da saúde e usuários do serviço.

O caso mais grave, no entanto, ocorreu em Felício dos Santos (MG). O vereador Wladimir Canuto (Avante) invadiu a sala vermelha de uma Unidade Básica de Saúde durante o atendimento de um paciente em estado grave, que acabou morrendo. Segundo a Prefeitura, o parlamentar ainda agrediu verbalmente os servidores da unidade.

A advogada Ariane Vilas Boas alerta para o impacto dessas práticas na rotina dos profissionais e pacientes. “Infelizmente, vivemos um momento em que a busca incessante por visibilidade e engajamento digital tem se sobreposto à preocupação real com a saúde pública. É fundamental que a sociedade compreenda a importância da fiscalização responsável e exija que os parlamentares atuem dentro dos limites da lei, garantindo que o direito à saúde da população permaneça como prioridade”, conclui.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.