‘Vírus do bem’ é cultivado no Chile para combater doenças como a salmonela

014f2ae9 a198 4807 8282 6a3b2d7980af

MARCOS CANDIDO
SANTIAGO, CHILE (FOLHAPRESS)

Um laboratório no Chile desenvolveu uma técnica para cultivar mais de 1.000 tipos de bacteriófagos, ou “fagos”, também conhecidos como “vírus do bem”, pois infectam bactérias para garantir sua própria reprodução. Os fagos atacam unicamente bactérias nocivas a seres humanos e animais -entre elas, a salmonela.

Essa bactéria causa intoxicação alimentar e é transmitida pelo consumo de carne, como bois e frangos, e alimentos crus, como legumes. Em casos raros e mais graves, pode levar à morte.

Para combatê-la, os pesquisadores passaram a cultivar os fagos em um laboratório em Santiago, uma tecnologia patenteada e sigilosa para a criação de medicamento animal cujo maior cliente é o mercado brasileiro.

A salmonela pode ser evitada com o cozimento adequado de alimento, segundo o Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária), mas a bactéria é persistente, se beneficia do clima quente do Brasil e pode resistir a antibióticos tradicionais. Uma contaminação gera de prejuízos locais a medidas de larga escala, como embargos internacionais.

O objetivo do laboratório PhageLab é combater a salmonela antes de a bactéria ter a chance de atingir o organismo humano. Para isso, produz a medicação à base de fagos, que é acrescentada em diferentes etapas da dieta dos animais que serão consumidos por humanos.

O QUE SÃO OS FAGOS

Os fagos são vírus que atacam bactérias e são inofensivos ao nosso organismo. O uso deles data dos anos 20, na Europa. Na mesma década, porém, as pesquisas foram desaceleradas com a descoberta e o investimento na penicilina, dando início à era dos antibióticos cerca de duas décadas depois.

Além do laboratório na capital chilena, os fagos voltaram a chamar a atenção em centros de pesquisas europeus e no Brasil nos últimos anos, onde também é estudado na USP (Universidade de São Paulo). A corrida internacional tem uma preocupação comum: a resistência aos antibióticos tradicionais.

Em 2022, a OMS (Organização Mundial da Saúde) identificou, a partir de dados de 87 países, ou 72% da população mundial, a chamada resistência antibiótica. Os testes identificaram aumento de 15% nos casos de salmonela em comparação a 2017, o que fez a organização pedir um compromisso internacional para se debruçar sobre o problema.

Para tentar driblar os efeitos desse cenário, produtores brasileiros enviam amostras de fezes animal com até 300 variações de salmonela para o laboratório chileno, que colocam os fagos à prova para contê-las.

“Se não conseguimos eliminar esses 200 a 300 tipos de salmonela das amostras com o acervo de fagos que nós já temos, precisamos isolá-las para tentar eliminar uma única amostra de salmonela e testá-la com novos fagos”, explica o virologista responsável, Nicolas Cifuentes.

Para ter amostras bacterianas, o laboratório também conta com uma “incubadora” de bactérias, uma espécie de liquidificador que gira a cerca de 36ºC e 41ºC e propícia a reprodução que será confrontada pelos fagos. Isso porque o intestino dos principais hospedeiros -os frangos- têm uma temperatura similar a do aparelho usado pelos cientistas.

“Se você começa esse processo com um milhão de bactérias, em 30 minutos serão dois milhões. Se for durante madrugada, serão centenas de milhões de bactérias”, acrescenta Cifuentes.

Criada em 2010, a startup calcula que a fórmula à base de fagos é usada no tratamento de 590 milhões de frangos no Brasil. Em 2025, a projeção é ampliá-la a 2 bilhões de frangos.

A empresa também mantém filial em Curitiba. Em dezembro, publicou um estudo com 4 milhões de frangos de 17 fazendas brasileiras, das quais 14 apresentaram reduções na carga bacteriana de salmonela entre os animais.

“Com a venda de carne com certificados de saúde, como a ausência de salmonela, você pode vendê-la por seis vezes mais a mercados como Alemanha, Estados Unidos, Arábia Saudita”, explica o chefe de tecnologia Pablo Cifuentes.

A reportagem viajou a convite do laboratório PhageLab

Adicionar aos favoritos o Link permanente.